São Paulo, sábado, 21 de maio de 1994
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Cláudia Raia exibe altivez das grandes vedetes

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

"Nas Raias da Loucura", a bem da verdade, não é um musical, como o espetáculo se proclama. Está mais para um show, como tantos, de cantoras propriamente, não atrizes. Mas Cláudia Raia é uma atriz de teatro. Mais até, é uma estrela de teatro, capaz de interpretar, de contar piadas engraçadas, de dançar com perfeição, capaz até, quem poderia imaginar, de cantar bem.
Resultado, "Nas Raias da Loucura" é um pouco de tudo isso. É um impressionante, gigantesco esforço artístico de uma atriz completa. Um espetáculo em que ela interpreta personagens que cantam, em que mostra suas pernas e curvas, em que se ridiculariza com a altivez das grandes vedetes –título que ela, aliás, assume logo, e com alegre orgulho. É, assim, quase um musical.
Quase, porque não tem trama. Há um arremedo de enredo, alinhavado por Sílvio de Abreu, que fez o texto, e por Jorge Fernando, o diretor geral. Nele, uma atriz de teatro, a própria Cláudia Raia, está nos preparativos para um espetáculo, em ensaios, crises de estrelismo, ataques de histeria –daí, nas raias da loucura– e aulas de corpo. No meio, entram os números musicais.
Que não são bem números de musical, como logo se descobre. "Nas Raias da Loucura" é um amontoado, literalmente um "pot-pourri" de canções mais ou menos conhecidas, algumas que dão saudades, outras simplesmente velhas, grandes sucessos, brasileiros ou não, algumas mais recentes, outras até mesmo, verdadeiramente, originais, como na que empresta seu nome ao espetáculo.
Uma salada que faz lembrar "That's Entertainment", o filme que, como escreve Sílvio de Abreu no programa da peça, reuniu os melhores momentos dos musicais da Metro. "Nas Raias da Loucura" reúne os melhores momentos de quase tudo o que Abreu e Jorge Fernando e Cláudia Raia e Zé Rodrix conseguiram lembrar. O que é uma maneira auto-indulgente de evitar o trabalho.
Não que qualquer um deles seja preguiçoso. Muito pelo contrário, o que Cláudia Raia faz no palco do teatro Procópio Ferreira é, repito, impressionante, de deixar qualquer um estupefato. Mas o que faz, musical em cima de musical, de "Almanaque Brasil" a "Splish Splash", agora a "Nas Raias da Loucura", evitar um enredo completo e, sobretudo, um "score" original?
Uma ou outra música pode ser original, mas o restante é só nova orquestracão. Os nomes que vão surgindo no teatro musical recente, do próprio Zé Rodrix (também de "Hair"), de Pedro Paulo Bogossian ("Almanaque Brasil"), de José Miguel Wisnik ("Mistério Gozoso"), estão vinculados, ao menos por enquanto, somente à direção das músicas –não à criação primeira.
O "score" parece assustar. Daí ser um erro falar, como faz Sílvio de Abreu, em Irving Berlin, em George Gershwin, em Cole Porter, nos grandes compositores da Broadway. Não há ambição artística para tanto, em "Nas Raias da Loucura". O motivo para a falta de ambição talvez seja a imagem, o exemplo dos velhos musicais brasileiros, das revistas –que também sonhavam pouco.
Mas vale registrar que o mais festejado compositor da Broadway hoje, Stephen Sondheim, de "Sweeney Todd", assume como a sua grande influência o brasileiro Heitor Villa-Lobos –criador de "Magdalena", um musical dos anos 40 que o "New York Times" chamou de "o melhor e mais sofisticado `score' da Broadway em uma geração", mas que atualmente anda esquecido, no Brasil.
Voltando a "Nas Raias da Loucura", já que não é de Villa-Lobos que se trata mesmo, o espetáculo tem muitas outras qualidades, das quais o humor é uma das maiores. Cláudia Raia demorou, mas está engraçada, afinal. Não que um espetáculo criado por Abreu e Jorge Fernando pudesse ser qualquer outra coisa. Mas é Cláudia Raia que segura –e bem– todo o humor no palco.
Nos números mais diretamente musicais, no "pot-pourri", nem tudo funciona. As imitações por vezes passam dos limites, por exemplo, quando Cláudia Raia canta, travestida de Ney Matogrosso, um sucesso do mesmo. No mais das vezes, de qualquer maneira, é a exuberância de que se falava. Como Carmem Miranda, por exemplo, ela emociona ao cantar uma música dos Novos Baianos.
Um dos desprazeres de "Splish Splash" e de "Hair" foram os seus protagonistas, "atores" de televisão esforçando-se para dançar e cantar. O que ninguém pode reclamar, agora, é da protagonista, que vem sustentada com brilho por bailarinos de um raro empenho teatral, Jorge Teixeira e Adalberto Sousa, e por vocalistas virtuosas como são Andrea Marques e Talma Freitas.
Mas o show é mesmo dela, de Cláudia Raia, a primeira-dama do teatro musical brasileiro. Em uma das passagens emocionadas de "Nas Raias da Loucura", ela canta uma música de Sheila, seu personagem em "A Chorus Line". Foi seu melhor papel, melhor do que no espetáculo de agora. Era um musical.
O trecho que cantou foi curto. Mas bastou para lembrar que já então, uma década atrás, a impressão que Cláudia Raia deixou no teatro –de vestido vermelho, se bem me lembro, alta, longas pernas, com uma atuação agressiva– foi de uma estrela. E ela não tinha então mais do que 16 anos.

Título: Nas Raias da Loucura
Quando: quarta a sábado, às 21h30, domingo, às 19h
Onde: Teatro Procópio Ferreira (r. Augusta, 2.823, zona sul, tel. 883-4475)
Quanto: CR$ 12.000 (quarta), CR$ 15.000 (quinta), CR$ 20.000 (sexta e domingo), CR$ 25.000 (sábado)

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