São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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Pacto social só com Lula, diz Vicentinho

CRISTIANE PERINI LUCCHESI
DA REPORTAGEM LOCAL

Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, 38 anos, assume hoje a presidência da CUT com disposição para negociar.
"Neste momento eu acho que é possível extrair até de outros partidos -não só do PT, ao qual sou filiado-, do governo e do movimento sindical, pessoas sérias para buscar uma caminhada rumo à cidadania e a melhores condições de vida", diz o ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABCD.
Defensor das câmaras setoriais, das quais participou desde o início, Vicentinho vai ajudar na construção de um pacto social, mas só com seu "companheiro" Luís Inácio Lula da Silva na presidência da República.
"Com o governo Lula nós temos a possibilidade de acreditar no futuro do Brasil. Os empresários devem se preparar para essa nova etapa, porque é importante definir metas, ter seriedade", disse Vicentinho.
No caso da eleição de outro candidato à presidência da República, um entendimento social seria, se não impossível, no mínimo não tão imediato. "Ele teria antes de ganhar a confiança da sociedade."
No meio dos debates do 5.º Congresso Nacional da CUT, em Interlagos, São Paulo, Vicentinho falou à Folha. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Folha - A CUT sempre se colocou contra um entendimento, contra o pacto social.
Agora seria possível mudar essa situação e criar, digamos, uma grande câmara setorial onde participariam empresários, trabalhadores e goveno?
Vicentinho - Olha, eu acho que a CUT se manifestava contrária àqueles pactos porque ali havia muita mediocridade, muita mentira. Não havia representatividade, não havia nada claro.
Folha - Isso mudaria se Lula fosse o futuro presidente?
Vicentinho - Ora, com o governo Lula nós temos a possibilidade de acreditar no futuro do Brasil. Os empresários devem se preparar para essa nova etapa, porque é importante definir metas, ter seriedade. Nessa condição a gente pode acreditar em pacto.
Mas, pacto social com Collor de Mello, com generais? Pessoas nas quais a gente jamais acreditou e a história provou que estavam completamente fora da realidade? Não dava.
Folha - Como seria a participação da CUT nesse pacto?
Vicentinho - A nossa participação, evidentemente, se dará objetivando o interesse da classe trabalhadora, sem ferir nenhum princípio.
Eu acho que com essa nova etapa – sendo Lula presidente da Reública e a CUT com essa concepção que ela tem defendido desde a sua fundação– os empresários têm que se preparar para a necessidade de distribuir renda.
E eles, que tanto concentraram, se quiserem poder viver, terão que participar desse programa, porque não é possível continuar, como o próprio Lula falou, com tanta fome e desesperança.
Folha - E se o Lula não ganhar? A disposição para o entendimento é a mesma?
Vicentinho –) Se o Lula não ganhar a CUT vai se comportar como ela sempre se comportou. No caso do Itamar Franco, por exemplo. A campanha contra a fome, que ele estimulou, nós participamos. A câmara setorial, a doação da sede para a UNE, são coisas que nós apoiamos.
Folha - Então pacto seria só com Lula? E se outro candidato vencer a eleição?
Vicentinho - Dos candidatos atuais – não posso desqualificar os outros –, o Lula é o que está em primeiro lugar. Nós acreditamos muito nele.
Veja bem, eu não tinha pensado na possibilidade de discutir essas questões com o Quércia ou com o Fernando Henrique, por exemplo, porque eu penso que o Lula vai ser presidente da República. Qualquer candidato precisa provar que é sério, que é sincero. Para mim o Lula provou e é nele que eu ponho esse referencial.
Folha - E nos outros?
Vicentinho - Nos outros eu acho que é preciso provar, efetivamente, saídas que façam com que conquistem esse respeito, que ganhem a confiança da sociedade.
Folha - Você acha que esses candidatos não teriam a confiança da CUT a ponto de a central participar, já num primeiro momento, de um pacto?
Vicentinho - Eu acho que neste momento eu, efetivamente, não vejo este caminho.
O Fernando Henrique Cardoso, como cidadão, eu respeito, em que pese, nossas divergências e essas alianças que ele faz.
Mas como é que eu vou pensar em fazer um pacto com alguém que, embora tenha uma história democrática, está fazendo aliança com o que há de pior no país, que são os representantes do PFL?
Como é que eu vou pensar em fazer acordo com um Quércia, que enfrenta denúncias de corrupção por todos os lados, de enriquecimento ilícito e tal?
Todos esses são fatores nas negociações, está certo?
Folha - Mas se for feito esse pacto no governo Lula, isso não prejudicaria a autonomia da central, que é uma coisa que você defende?
Vicentinho - De que forma?
Folha - Vamos supor, com um acordo no qual troca-se a greve, por exemplo, por estabilidade no emprego?
Vicentinho - Nós nunca fizemos acordo em que esteja incluída a condição de não-greve. Isso é um cabresto, que nós não podemos jamais permitir.
Folha - Qual é a sua visão sobre o plano econômico elaborado pela equipe de Fernando Henrique Cardoso e hoje implementado pelo ministro Rubens Ricupero?
Vicentinho - O problema do plano é que ele não tem bases do ponto de vista do crescimento.
Não existe nenhum projeto de investimento, não existe nenhum projeto de geração de riqueza, de geração de emprego. Não existe nenhum mecanismo que faça com que a sociedade volte a ser consumidora. Para ser consumidora teria que ter salário.
Gato escaldado tem medo de água fria, pois todos os planos econômicos fizeram com que os salários dos trabalhadores valessem hoje apenas 33% do que valiam em 85. Eu temo que ele seja um plano eleitoreiro.
Folha - E se o Lula não ganhar, qual vai ser o futuro das câmaras setoriais? Elas estão praticamente paradas, mesmo a do setor automobilístico.
Vicentinho - Para nós, a câmara setorial não é a única alternativa de negociação nem a ação única do movimento sindical.
Não pode engessar a luta, não pode ferir nenhum princípio e não pode prejudicar o Brasil. Têm que ser acordos que visem crescimento para todo mundo.
Eu acho que, paralelamente a essa situação momentânea, o gorveno não percebeu a importância dessas saídas.
Folha - Qual seria a saída para o Brasil de hoje?
Vicentinho - Vai ser necessário –independente do governo– que, na relação entre capital e trabalho, se considere o trabalhador não apenas como ser produtivo, mas como ser pensante.
Além de ser produtivo, ele tem emoções, ele tem desejos e também é um consumidor.
Ficar pensando de forma medíocre e míope, como muitos pensam, será um colapso.
E, quem sabe, em vez de uma eleição do Lula, democrática, clara, transparente, com medidas claras, se tenha convulsões sociais incontroláveis neste país.
Folha - Como você acha que a CUT devem enfrentar as novas tecnologias do trabalho?
Vicentinho - Eu admito que o avanço tecnológico é até uma necessidade, porque isso é consequência da capacidade do homem evoluir. Isso é uma coisa, vamos dizer assim, que você não tem como controlar.
Eu sou contra aqueles que acham que tem que quebrar a máquina, como aconteceu no começo do século. Eu sou contra qualquer visão obtusa nesse sentido.
Entretanto, acho que o resultado positivo desses avanços não pode beneficiar apenas o grupo econômico, mas sim a coletividade. Tecnologia tem que ser inerente à melhoria de qualidade de vida, de condições de trabalho, a ganhos de produtividade para a coletividade.
Então, qualidade de produto tem que ser qualidade de vida. Produtividade tem que ser geração de riqueza para todos. Devemos buscar mecanismos para salvaguardar o emprego.
Folha - Quais mecanismos?
Vicentinho - Uma saída está na jornada de 40 horas semanais. Outra é o ganho com produtividade dividido entre todo mundo.
Pode ser ainda investimentos globais, apliações em outros setores da indústria. Não pode se pensar isolado. Eu sei que metalúrgicos e muitos trabalhadores de várias categorias vão ter um perfil diferente. Se antigamente era um "tcham" ser torneiro mecânico, agora "tcham" é ser torneiro de máquina de controle numérico, pois precisa ter um melhor perfil. Daí é necessário investir na educação, para que haja condição de enfrentar essa nova realidade.
Folha - Se você tivesse que resumir uma preocupação central para a sua gestão na CUT, qual seria?
Vicentinho - Nesse período eu acho que a luta principal da Central do Trabalhadores é ser radicalmente democrática, garantir o exercício da democracia no país inteiro, porque isso vai dar condições de mudanças dos parlamentares, de mudança de comando do Brasil.
Paralelamente, a CUT se empenhará efetivamente para resolver, por exemplo, as questões do desemprego e do poder aquisitivo. É péssimo para o país existirem 20 milhões de desempregados tendo que comer todos os dias sem produzir nada.
Folha - Os avanços tecnológicos estão provocando uma mudança no pensamento empresarial que torne possível a elaboração de políticas conjuntas? Houve alguma mudança de quando você começou a fazer sindicalismo até hoje?
Vicentinho - Sim. Houve mudança e seria uma estreiteza muito grande da minha parte dizer que empresário é tudo farinha do mesmo saco. Antigamente eu dizia, mas agora não posso dizer isso. Sei que, embora do ponto de vista do lucro, da visão empresarial, todos são iguais, alguns têm visão diferente.
Há muitos empresários preocupados com o futuro, inclusive, com o seu futuro enquanto empresário. E essas são pessoas que devem ter condições de sentar para negociar e buscar alternativas. Neste momento eu acho que é possível extrair até de outros partido políticos –não só do PT, ao qual sou filiado–, do governo e do movimento sindical, pessoas sérias para buscar uma caminhada rumo à cidadania e a melhores, condições de vida.

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