São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Quércia foi azarão em todas as disputas

DA REPORTAGEM LOCAL

No dia do seu casamento, Orestes Quércia estava no altar, à espera de Alaíde, quando um repórter perguntou se ele estava nervoso.
Sua resposta dá a medida do quanto sua vida está ligada à política: "Estou emocionado, mas não nervoso. Estou acostumado com esses embates."
Seu pai, Octávio, diz que ele se casou tarde porque não tinha tempo para namorar, só para política.
Quércia enfrentou as urnas pela primeira vez em 1959, aos 21 anos. Queria ser vereador de Campinas pelo Partido Libertador. Teve menos de 200 votos, e perdeu.
O PL era um partido pequeno, que se distinguia por ser o único a defender o parlamentarismo. Como se vê, Quércia nem sempre foi presidencialista.
Em 63, Quércia conseguiu ser eleito vereador, com 416 votos. Na Câmara, levantava problemas dos bairros e cobrava soluções do prefeito, que também era do PL.
Em 65, quando o bipartidarismo foi instaurado, filiou-se ao MDB –ao contrário de muitos colegas. Foi eleito deputado estadual em 66, com 12.915 votos.
Tornou-se vice-líder do partido na Assembléia, mas só cumpriu metade do mandato. Em 68, concorreu à Prefeitura de Campinas.
Aquela campanha ficou marcada na memória do vereador Romeu Santini (hoje do PFL), que disputou a Prefeitura pela Arena.
A vitória do MDB era tão improvável que Quércia pensou em desistir. Foi demovido por Jânio Quadros, que, mesmo cassado, tinha grande influência na direção do MDB paulista: "Continue. Mesmo perdendo a eleição, você ganha, porque sai fortalecido para se candidatar a deputado federal."
O conselho de Jânio foi narrado a Santini pelo próprio Quércia. Sua campanha virou graças a um empurrão dado pelo governador Roberto Abreu Sodré (Arena).
Sodré cortou o adicional de salário dos ferroviários e não quis negociar com os professores em greve. Quércia conseguiu o voto desses setores e dos estudantes.
Foi eleito, para surpresa da Arena. Sua gestão na prefeitura revelou um estilo que voltaria a se manifestar no governo do Estado.
Em 71, ele já defendia uma ação pragmática, que evitasse a "radicalização do MDB, a qual lhe impedirá toda e qualquer pretensão de um dia tornar-se governo".
O prefeito acusava a direção nacional de estar muito ligada ao passado. Defendia a tese de que o MDB deveria aceitar o Movimento de 1964 como fato consumado e rever sua estratégia eleitoral.
Segundo ele, o MDB não deveria se limitar a defender a revogação do AI-5, mas deveria propor uma política econômica desenvolvimentista. Ele próprio já aplicava essa orientação na prefeitura.
Pavimentou avenidas, construiu casas populares e uma estação de tratamento de água. Desenvolvia trabalhos em colaboração com a Unicamp, aproximando-se de intelectuais que até hoje o apóiam.
Na época (em 70), surgiu também a primeira denúncia contra Quércia. Seu vice, Eugênio Alati, o acusou de desviar trilhos dos bondes locais para sua fazenda.
Organizando o MDB
Dedicou-se também a organizar o MDB no interior. Em 1969, ao tomar posse, o MDB tinha 204 diretórios (havia 506 municípios).
Para estruturar os novos diretórios, mandava que assessores procurassem pessoas dispostas a entrar no MDB. Depois, ele mesmo visitava os escolhidos –farmacêuticos, comerciantes, estudantes.
Era um trabalho difícil, porque muitos achavam que a legenda estava ligada aos "comunistas". Quércia conta um episódio em 72 na pequena cidade de Ubirajara.
Ele chegou lá só com o nome de um farmacêutico que criticava o governo. O farmacêutico, apavorado, não quis conversa, e o mandou para o padre, que não o recebeu.
O único que se dispôs a falar com Quércia foi o delegado, mas logo avisou: "Eu até simpatizo com o senhor, mas não vai formar diretório do MDB aqui não."
O ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Antônio Carlos Mesquita, então estudante de direito em Limeira, foi um dos aliciados por Quércia, que o encarregou de organizar o MDB na região.
Fazia até café
Levava líderes locais –muitos deles dissidentes da Arena– para conhecer suas obras em Campinas.
Segundo o ex-deputado Chico Amaral (PMDB), para cooptar uma liderança local, Quércia chegava a ir para a cozinha, fazer café e servi-lo aos donos da casa.
Também cantava moda de viola em público e jogava truco com os corregelionários (chegou a dirigir a Associação Paulista de Truco).
Ganhou assim a fama de caipira, que o acompanha: "Sou um candidato de boteco" disse em 86.
Em 72, elegeu seu sucessor em Campinas (Lauro Gonçalves) e ampliou a criação de diretórios. No início de 73, o MDB tinha 250 diretórios locais. Em 74, Quércia já ampliara esse número para 371.
Nesse mesmo ano, disputou a indicação para ser candidato ao Senado. Seu principal adversário era o deputado Freitas Nobre, com base na capital, apoiado pelos líderes do MDB (Franco Montoro e Ulysses Guimarães). Venceu o adversário na convenção por 361 votos a 59.
Senado
Na campanha ao Senado, soube aproveitar o horário eleitoral para capitalizar os votos de protesto contra o governo. Obteve 4,6 milhões de votos (foi o senador mais votado até então), derrotando o favorito, Carvalho Pinto (Arena).
Em seu primeiro discurso no Senado, atacou o regime militar. Disse que a junventude estava "amordaçada". Foi criticado pelo senador José Sarney (Arena-MA).
Foi o primeiro a propor, em 75, a convocação de Assembléia Constituinte, eleições diretas em todos os níveis e uma CPI sobre violação de direitos humanos.
Entre as 397 projetos de lei que apresentou, porém, a maioria tinha cunho corporativo. Defendeu a volta da estabilidade para todos os assalariados e aposentadorias especiais para coveiros, faxineiros, taxistas, ferroviários e garçons.
Nessa época, iniciou sua aproximação com o PCB e o MR-8, que passariam a apoiá-lo nas disputas internas do MDB. Hoje, é chamado de "grande timoneiro" pelo MR-8 –que o compara a Mao Tse-tung.
Em 82, Quércia disputou com Montoro a indicação para disputar o governo de São Paulo. Foi derrotado, mas conseguiu ser indicado vice, ganhando um lugar que Montoro reservara a Mário Covas.
É como vice-governador que consolida suas bases no interior, através do movimento municipalista, que defendia o aumento da receita fiscal dos municípios.
Em 1984, recebe de Tancredo Neves a tarefa de organizar a frente municipalista pelas diretas-já. Viaja pelo país e amplia suas bases fora de São Paulo. Na votação da emenda das diretas, leva 5 mil prefeitos e vereadores a Brasília.
Quércia (e o PMDB) se fortalecem no interior. Em 86, ele é indicado candidato sem disputa. Seu adversário, Mário Covas, teve de se resignar a disputar o Senado.
Sua campanha custou a decolar. Em setembro, o partido previa um naufrágio, e parte da legenda queria abandonar o candidato.
"Quem for traidor e não quiser apoiar o Quércia, que vá para o diabo que o carregue. Vou ganhar do mesmo jeito", dizia ele.
Ganhou, com a ajuda do Plano Cruzado –embora perdesse na capital para o candidato do PTB, Antonio Ermírio de Moraes.
No governo, reeditou em escala ampliada o que fizera na prefeitura –grandes obras. As denúncias de corrupção também cresceram. Assim como na prefeitura, conseguiu eleger seu sucessor (seu secretário Luiz Antonio Fleury Filho).
Deixou o governo e se tornou presidente do partido. Destacou-se como defensor do presidencialismo na campanha para o plebiscito sobre sistema de governo, em 93.
Desgastado pelas denúncias de corrupção, acabou deixando a presidência do PMDB pouco depois. Apesar disso, sua base no partido já estava consolidada.
Lançou sua pré-candidatura sem o apoio de Fleury. Seu mais forte adversário –o deputado Antônio Britto– desistiu de enfrentá-lo por temer uma derrota na convenção.
A direção do partido convocou uma prévia –última manobra para tentar derrotá-lo. O senador José Sarney, bem colocado nas pesquisas, também renunciou, e Quércia venceu mais esta etapa. Agora, é novamente o candidato do partido.

Texto Anterior: O PATRIMÔNIO DE QUÉRCIA
Próximo Texto: Rotina política não atrapalha vida familiar
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.