São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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Brasileiros se sentem perseguidos no Japão

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Brasileiros se sentem perseguidos no Japão
Neuza, 27, tinha um "terceiro olho" através do qual enxergava o futuro. O olho dizia que em breve ela acharia trabalho numa emissora de TV japonesa. À noite, quando se deitava, o olho a espiava e não a deixava dormir.
Neuza precisou ser trazida de volta ao Brasil e internada numa clínica psiquiátrica. O nome é fictício, mas a história é comum a centenas de descedentes de japoneses que foram trabalhar no Japão.
"A grande maioria sofre de quadro persecutório", diz o médico psiquiatra Décio Nakagawa, 43, da Beneficiência Nipo-Brasileira em São Paulo. No seu consultório particular estão sendo atendidos 28 "dekasseguis" –como são chamados os trabalhadores estrangeiros no Japão.
Nos últimos quatro anos, Nakagawa atendeu mais de cem deles. Segundo ele, 80% não apresentam distúrbios antes de deixar o Brasil. E pelo menos 70% retornam ao Japão após se sentirem melhores.
Neuza também tentou voltar, mas os pais não permitiram. "É como se quisessem repetir a viagem para se livrar de um fracasso", diz Nakagawa.
A maioria dos clientes passa semanas sem querer falar no Japão ou lembrar das situações que viveram. "Um dia aparecem no consultório com a passagem na mão", diz o psiquiatra. Muitos deles continuam sendo medicados e recebendo orientações pelo telefone.
Os distúrbios que atacam os dekassegui tem causas conhecidas: sobrecarga de trabalho, ausência de lazer, diferença de cultura e de língua e o consequente isolamento.
Muitos trabalham em turnos, trocando a noite pelo dia. O estresse tem provocado grande número de acidentes de trabalho. Aqueles que não pagam seguro-saúde ou trabalham em empresas clandestinas acabam sem condições de arcar com o tratamento.
José Luiz de Brito, 41, foi com a mulher nisei trabalhar no Japão em 91. O casal tinha um contrato de 2 anos em uma lavanderia industrial. Ganhavam US$ 2.000 cada para trabalhar das 7h às 23h.
Um dia Brito foi soterrado por uma tonelada de lençóis e acabou internado. "Sem seguro, o hospital levou nossas economias", diz.
Brito seguiu os passos de muitos dekasseguis no Japão. Caiu nas mãos de agências controladas pela máfia Yakuza, foi "expulso" de empresas clandestinas, passou fome e ficou doente.
Desde 92, os niseis e sanseis –filhos e netos de japoneses– e seus cônjuges têm direito a visto de trabalho no Japão. A crise japonesa, no entanto, vem reduzindo as horas extras e apenas as pequenas e médias empresas estão contratando estrangeiros.
"Em 90, ganhava-se até US$ 3.000. Hoje os salários não chegam à metade", diz Sérgio Morinaga, 46, presidente da Associação dos Imigrantes do Brasil.

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