São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994 |
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O vício da indexação
MARCOS CINTRA CABALCANTI DE ALBUQUERQUE MARCOS CINTRAA criação do real a partir de julho está sendo aguardada com otimismo. Espera-se que a inflação caia para taxas mensais próximas de 3%. Há, contudo, armadilhas traiçoeiras. Uma delas se refere ao vício, adquirido em décadas de inflação, do uso generalizado de variadas formas de indexação. O que antes era só um analgésico usado em casos de desconforto grave acabou se tornando um medicamento corriqueiro, ingerido sem se considerar seus efeitos colaterais, como a inércia inflacionária. Mais grave ainda é que o organismo econômico habituou-se ao uso do medicamento, perdendo a imunidade aos efeitos da doença inflacionária. A qualquer sinal de redistribuição perversa de renda, os setores lançam-se ao uso do bálsamo indexatório. Até de forma preventiva, como os trabalhadores no transporte coletivo de São Paulo, que obtiveram reajustes salariais por presumidas perdas futuras! Após a introdução do real, este hábito criará problemas ao combate à inflação. Haverá inflação na nova moeda. Parte dela residual e que, na ausência dos mecanismos de indexação, tenderia a ser absorvida pelo organismo econômico e a desaparecer em pouco tempo. Outra parte, de natureza estrutural, renovada a cada ciclo econômico pelos focos autônomos de pressões inflacionárias não extirpados pela fracassada revisão da Constituição. O Plano Real prevê o fim dos mecanismos de indexação, para evitar a retroalimentação inflacionária. Mas como reagirá o organismo econômico? Com inflação mensal de 3% e reajustes contratuais anuais, as perdas podem passar de 40% no período. A síndrome da abstenção poderá ser violenta. Até agora, o governo vem aplicando placebos e analgésicos para anestesiar a memória inflacionária; leia-se URV, superindexação e troca de moeda. A inflação que sobra após a terapia é a mais difícil de ser combatida. Os focos inflacionários não foram extirpados e os agentes econômicos resistirão à proibição do uso da indexação. Restará apenas o recurso de forte política contracionista que, além de dolorosa, já deu mostras de não ser infalível. MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 48, é doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), é vereador da cidade de São Paulo pelo PL e professor titular da FGV (SP). Foi secretário do Planejamento e de Privatização e Parceria do Município de São Paulo (administração Paulo Maluf). Texto Anterior: Especulação vai continuar Próximo Texto: Momento não é para entrar Índice |
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