São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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Parreira é o médico da receita errada

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

O técnico Parreira parece aquele médico que acerta no diagnóstico e erra na receita. A última foi essa encrenca da camisa 10, que estaria faltando no futebol brasileiro, segundo o nosso treinador.
Virou um samba do crioulo doido. Só faltou alguém chamado Sócrates sair por aí com uma lanterna na mão atrás de dez camisas da seleção.
Por falar em Sócrates, lembrei-me do mais recente, o nosso doutor em futebol, irmão do Raí, pivô da confusão.
Mas, antes de falar do dr. Sócrates, advirto aos desavisados que o grego lanterninha era outro, Diógenes, um crioulo magro e espigado, de toque sutil, que jogava na lateral e no meio-campo do São Paulo em meados dos anos 50.
Voltando ao dr. Sócrates, ele entra nesta história como Pilatos, aliás, como Zico, citado por Parreira como o último camisa 10 autêntico. É que Sócrates, como Zico, nunca foi camisa 10 no atributo conferido por Parreira a esse objeto da discórdia e do desejo.
Ou seja: o meia-armador, coordenador de jogadas do ataque, cérebro da equipe etc. Sócrates, Zico, como Pelé, o responsável pelo estigma da camisa 10, eram autênticos pontas-de-lança, meia mais avançado, com funções ofensivas, na escola de Humberto, Pinga ou Vasconcelos, de quem o Rei herdou a camisa.
Isso, porque, no sistema diagonal, um meia armava, outro atacava. Se a diagonal fosse pela direita, o armador era o camisa 8; caso contrário, o 10. Jair Rosa Pinto, esse sim, um genuíno camisa 10, armador, centro de distribuição do jogo, canhoto, era 10 no Palmeiras, mas virou 8 no Santos, justamente na época em que surgia o garoto Gasolina, mais tarde imortalizado como Pelé.
Como se vê, o número da camisa, no caso, é irrelevante. O que interessa é a função. Nessa linha sucessória, de Jair vamos a Didi, Rubens, Gérson e Ademir da Guia, este sim, o último da linhagem.
Se quiserem, dos que estão em atividade, o que parece herdar um cromossomo dessa estirpe é Mazinho, guardadas as devidas proporções técnicas dos citados, que, inadvertidamente, o nosso treinador lista como um dos prováveis substitutos de Raí. Assim, como –pasmem!– Paulo Sérgio.
Está, pois, explicado por que os acordes criados pelo saudoso Ponte Preta não me saem do ouvido, como um grudento jingle, toda vez que se toca nesse assunto de seleção brasileira.

Outra decepção: ingenuamente, julguei que o massacre do Milan sobre o Barcelona, na decisão da Copa Européia, serviria de alerta para Parreira. Leio nos jornais que, ao contrário, nosso treinador leu outra partitura daquele jogo. Entendeu que a vitória do Milan comprova sua tese de um meio-campo marcador etc.
O que o Milan provou por A mais B é que você pode montar um time competitivo, combativo no meio-campo, com jogadores altamente refinados no contato com a bola. A supresa foi exatamente essa: Capello, que defendeu mediocremente a conquista do tri italiano, com um monte de Dungas e Zinhos no seu meio-campo, abriu a janela, arejou aquele setor, com craques que jamais ele havia conjugado na mesma formação antes, como Boban, Savicevic e Donadoni, apoiados por dois médios decididos na marcação, mas hábeis na condução da bola, no passe e no drible –Desailly e Albertini.
Este foi ovo de Colombo, aquele mercador persa que seguia o exército de Brancaleone, na infausta luta contra a emancipação do dólar e a consequente fundação da República de Tanganica, a oeste do Éden.

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