São Paulo, terça-feira, 24 de maio de 1994
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Safra 94 joga no lixo US$ 2,75 bilhões

BRUNO BLECHER
EDITOR DO AGROFOLHA

A maior safra de grãos da história do Brasil, avaliada em 73,6 milhões de t pelo governo, vai bater também o recorde de desperdício.
Projeção realizada pelo Agrofolha, com base em índices de perdas da Fundação João Pinheiro (MG), avalia em US$ 2,752 bilhões as perdas da safra de verão.
O cálculo considera apenas perdas ocorridas durante as fases de colheita, transporte e armazenamento de sete produtos da safra de verão (algodão, amendoim, arroz, feijão, mamona, milho e soja).
Se for levado em conta o desperdício de frutas e hortaliças, o valor das perdas agrícolas no país ultrapassa US$ 6,5 bilhões.
Estimativa realizada no ano passado pela Coordenadoria de Abastecimento da Secretaria de Agricultura de São Paulo avalia em US$ 3,8 bilhões as perdas de hortigranjeiros no Brasil na safra 92.
"Dos 73,6 milhões de t de cereais e oleaginosas que o país está colhendo, 58,2 milhões de t devem chegar ao mercado", diz o economista João Batista Rezende, professor de econometria e estatística da Fundação João Pinheiro, de Belo Horizonte (MG).
O restante (15,4 milhões de t) vai se perder no caminho entre a fazenda e a agroindústria, acrescenta Rezende.
Para o economista, existe uma cultura do desperdício no país. Cita como exemplo as escolas de agronomia, "que estão preocupadas somente com o aumento da produtividade e não ensinam os alunos a reduzir perdas".
"Em épocas de grandes safras, como a deste ano, os agricultores costumam desprezar as perdas", diz Rui Odir Maier, gerente da área de serviços da SLC, indústria de colheitadeiras do RS.
O desperdício de grãos começa na colheita com a má-regulagem das máquinas, colheitadeiras obsoletas e despreparo dos operadores.
As perdas continuam durante o transporte dos produtos agrícolas aos armazéns, normalmente feito em caminhões inadequados por estradas esburacadas (veja texto ao lado).
Nos armazéns, a falta de tratamento preventivo contra as pragas multiplicam as perdas.
Técnicos da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, estimam em até 30% as perdas de milho e trigo nos armazéns.
"Outro problema é a falta de armazéns nas propriedades. No Brasil, não chega a 5% o número de propriedades que podem estocar sua produção, evitando prejuízos durante o transporte", acrescenta João Batista Rezende.
Os números do desperdício agrícola no Brasil assumem proporções alarmantes quando traduzidos para o consumo (quadro abaixo).
Somente com o valor estimado para as perdas de grãos nesta safra (US$ 2,752 bilhões) é possível alimentar, por um ano, 1,095 milhão de famílias (quatro pessoas) com a ração essencial fixada pelo decreto-lei 399, de 30/4/38.
Esta ração, avaliada em US$ 209 mensais, inclui carne, leite, feijão, café, pão, feijão, arroz, farinha de trigo, batata, tomate, banana, açúcar, óleo e manteiga.
Levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, divulgado no ano passado, estima em 9,2 milhões de famílias a população indigente do Brasil.
Com US$ 2,752 bilhões é possível ainda renovar a frota de máquinas agrícolas do país.
O volume referente às perdas de arroz (2,238 milhões de toneladas em casca), após beneficiado pela indústria, resultaria em 1,477 milhão de toneladas, capaz de alimentar 30,2 milhões de pessoas por um ano, considerando o consumo per capita de 48,9 quilos/habitante/ano.
O que se desperdiça de feijão (868.341 toneladas) é suficiente para abastecer 45 milhões de brasileiros por um ano (o consumo per capita anual gira em torno de 19 quilos).
No caso do milho, segundo cálculos da Associação Paulista de Avicultura, a perda estimada (8,5 milhões de t) daria para abastecer este ano a avicultura brasileira, que projeta produção de 3,4 milhões de t de carne de frango.
Na soja, o volume de grãos desperdiçado (2,708 milhões de t), se processado pela indústria, resultaria em 30,8 milhões de caixas de óleo, equivalentes a 4,4 meses de consumo no país, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetal.

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