São Paulo, terça-feira, 24 de maio de 1994
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Recomeçar do zero

JANIO DE FREITAS

O primeiro exame técnico não confirmou a autenticidade das folhas datilografadas que o procurador-geral da Justiça do Rio, Antonio Carlos Biscaia, apresentou como contabilidade dos banqueiros do bicho e utilizou nas acusações a políticos, magistrados, e outros, de recebimento de dinheiro da contravenção e dos tráficos de drogas e de armas. O exame foi feito à revelia do procurador, que não permitiu a perícia oficial nem para o cumprimento da formalidade processual obrigatória: "Eu estou convencido da autenticidade e minha convicção basta", dizia ele. O que interessa agora é saber para que finalidade real bastava a sua convicção.
Já no comecinho do "escândalo do bicho", e no que era a primeira explicação da existência de duas supostas contabilidades, dizia-se aqui: "Encontram-se dois tipos de registros contábeis. O que tem a aparência de autenticidade é um livro-caixa típico, com a numeração impressa das páginas, capa preta. Manuscrita, a contabilidade diária cobre o período de 87 a março de 94. O outro registro contábil são folhas soltas, datilografadas, referindo-se apenas ao período de 90 a 94 e que poderiam ser, todas, de produção simultânea e recente. (...) Seria indispensável, portanto, uma perícia das folhas, mas a Procuradoria não a providenciou".
O exame técnico pelo bem conceituado Instituto Del Picchia, de São Paulo, concluiu que as folhas não foram feitas mês a mês, como se esperaria de uma contabilidade mensal cobrindo quatro anos, mas produzidas recentemente e em tarefa contínua. É o caso de reproduzir, também, a última frase do artigo citado: "No escândalo do bicho, tudo precisa recomeçar do zero". Porque, já se observava em artigo ainda anterior, "a maneira como o Judiciário fluminense está tratando o caso dos bicheiros não corresponde à gravidade institucional, política e judicial do assunto. As contradições, os recursos ao inconcreto, os indícios de prováveis usos políticos do escândalo só fazem acrescentar zonas de sombras, cada dia mais, ao que devia ser da maior clareza".
O procurador Biscaia e seus auxiliares recusaram-se, sempre, à objetividade e à clareza. Começaram por não revelar a existência de duas supostas contabilidades. Faziam todas as acusações com base só nas folhas datilografadas, que exibiam apenas de certa distância. Mesmo quando o governador Nilo Batista constituiu uma comissão para investigar os policiais acusados, Biscaia só cedeu cópias das folhas, sem se referir ao livro-caixa. Recordando-se que as folhas datilografadas estão repletas de nomes que não aparecem no livro-caixa, entre os quais o do próprio Nilo Batista, deduz-se o motivo da utilização de um só, e não dos dois supostos documentos.
O procurador Biscaia não selecionou apenas entre os documentos. Selecionou também os nomes que divulgava aos poucos. Jamais deu alguma explicação para isso. E muito menos para o silêncio com que protegeu vários nomes, entre os quais o do candidato do PSDB ao governo do Rio, Marcello Alencar, presente no livro que tem as aparências de autenticidade. Note-se, ainda, que o escândalo foi lançado quando havia a mudança de governo no Rio e que o protegido Marcello Alencar foi um dos primeiros a defender a pronta intervenção federal no Rio, um coro com muitos lances suspeitos.
Como também ficou dito aqui, há um mês: "Volta-se ao problema inicial deste caso, que é o de saber o que, de fato, o originou. A historinha da denúncia levada à juiza Denise Frossard não resiste à mais superficial apreciação". Já não basta investigar o jogo do bicho. É preciso investigar as motivações dos que dizem investigá-lo em nome da Justiça.
Ação dos líderes
O líder do governo na Câmara, deputado Luis Carlos dos Santos, pede esclarecer dois pontos sobre a manobra de alteração, para pior, da Lei de Licitações:
1- A proposta encaminhada ao governo, de autoria do deputado Walter Nory, foi aprovado por todas as lideranças partidárias em votação simbólica, num fim de tarde em que não havia quorum, e com vários destaques.
2- No dia seguinte, o deputado telefonou ao ministro Henrique Hargreaves sugerindo exame detalhado da matéria, que a seu ver anula as melhorias trazidas pela Lei de Licitações. O governo está preparando vetos parciais às modificações da Lei propostas pelo Congresso.
Ainda bem. Mas esperemos para ver quais são os vetos.

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