São Paulo, terça-feira, 24 de maio de 1994
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Fernanda Gomes tenta desvendar universo intimista da feminilidade

CARLOS E. UCHÔA FAGUNDES JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

Exposição: Fernanda Gomes
Onde: Galeria Luisa Strina (r. Padre João Manoel, 974A, Jardins)
Quando: abertura hoje, às 19h. Até 30 de junho, de segunda a sexta, das 10h às 20h, sábado, das 10h às 14h.

A artista plástica carioca Fernanda Gomes, que será uma das representantes brasileiras na próxima Bienal Internacional de São Paulo, abre hoje sua individual na Galeria Luisa Strina.
Seus trabalhos tecem literalmente os delicados fios que unem a vida e a arte, fazendo desta última o produto cadenciado de uma vivência íntima. As obras, quase evanescentes, falam do limite da arte, do tempo e da contemplação. É o tempo lento do olhar que descobre realidades impressentidas e se detém no quase-nada dos ritos da vida cotidiana, transformando-os em estrutura de uma percepção artística.
Essa produção, marcada pelo feminino, faz lembrar a escritora Virginia Woolf (1882-1941), uma das primeiras e mais inteligentes feministas. Em Virginia, há estreita relação entre uma idéia de tempo fluido, o universo intimista das questões femininas e uma escritura suficientemente flexível que consiga apreendê-lo. Para ela, a literatura feminina não se explicava pela defesa ressentida da mulher, mas sua missão era criar uma linguagem que desse realmente conta do universo feminino.
Fernanda recolhe todos os dias os fios de cabelo que caem naturalmente de sua cabeça. Vai tecendo-os aos poucos, como matéria prima escassa, junto a delicados fios de seda. Desse tecido feito de resíduos da vida –perdas parciais que registram seus dias–, surgem espécies de casulos e infinidades de outros pequenos objetos que ela incrustra nas paredes.
A estrutura desses trabalhos compõe-se de lapsos, ausências, vazios e silêncios que respiram em hiatos de memória, exigindo uma fruição lenta. Tem-se a impressão de que as obras nascem de um recôndito no interior da parede, como da carne de um grande ser do qual a sala de exposição fosse o negativo vazio, oposto a um cheio exterior.
Outros trabalhos são feitos com as pontas dos cigarros fumados num dia. Delas, Fernanda descasca o papel, com as bordas recortadas pelo acaso da última tragada, registrando mais um ritual sonâmbulo da vida.
O fio transparente da exposição se revela nos trabalhos onde a artista raspa o texto de um livro, deixando legíveis apenas algumas palavras. Como nos antigos palimpsestos, essa operação faz emergir um significante renovado por sobre um tecido textual completamente rasurado.
Como Virginia Woolf, endossando a feminilidade na arte através de uma linguagem que torne exprimível a vivência feminina –e não de conteúdos fixos–, Fernanda Gomes tem um papel importante na geração atual, onde não raro o intimismo e a personalização das poéticas esbarra numa rasa literatice.

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