São Paulo, terça-feira, 24 de maio de 1994 |
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Galinha morta é atração de 'Domingo 10'
LUÍS ANTÔNIO GIRON
Não vai emplacar, mesmo que a apresentadora Marília Gabriela entreviste o escritor Salman Rushdie num porão cheio de ratazanas em Londres durante o verão. O estilo vacila entre o sensacionalismo barato de "Documento Especial" e a mundanalidade de "Ataíde Patreze Visita". O gosto pelo sangue se une à vontade de fazer compras em Paris. Nada a ver com o propalado modelo, o programa "60 Minutes", da rede norte-americana CBS. Este ressuma discrição. "Domingo 10" vende a mãe pelo furo. A atração maior do primeiro programa foi um pai-de-santo enlouquecido de Codó (Maranhão). Com uma crueza assombrosa, a equipe de reportagem registrou o feiticeiro decapitando a dentadas uma galinha branca. O animal estrebuchou diante da câmera e, na sequência, do sorriso condescendente de Marília Gabriela a anunciar outro comercial. A Sociedade Protetora dos nimais precisa tomar providências. Ora, crueldade à parte, todo bom jornalista sabe que esse tipo de reportagem não vinga. Mostrar macumba para brasileiro é como vender areia para camelos. Codó, chamada pelo programa de "a capital brasileira da magia negra", valeria matéria especial de descobrissem algo novo. Por exemplo, que o galináceo estivesse incorporando Exu e saísse pela noite a bicar pais-de-santo. Furo foi a segunda reportagem, sobre a viagem de toneladas cédulas de reais de Paris a São Paulo. Dessa vez, Marília de encarregou de fazê-la. Afinal, incluía uma viagem e um passeio por Paris. Mas tudo soou forçado. Marília passou todo tempo justificando a abordagem. Disse coisas como: "Eu vou tomar conta desse dinheiro até o Brasil". Ou, para encaixar uma volta pelos Champs Elysées, "a França é um país com moeda estável". O principal –a cor do dinheiro, a bufunfa propriamente dita– não foi mostrado. As imagens se limitaram à carga transportada em contêiner. Nem uma sequência forte. Entrevistar o piloto do avião ou Raí teve impacto de um bocejo. A última matéria, sobre o jogador Ronaldo, do Cruzeiro, não possuía nem mesmo efeito de persuasão. A idéia era consagrar o craque como "sucessor de Pelé". Desde Cafuringa o expediente cai no ridículo. Falaram a favor os mineiros Tostão e Roberto Drummond, notórios bairristas. Não houve comparações entre o estilo de Ronaldo e dos concorrentes. Muito fraco. A convincente Marília Gabriela põe a credibilidade em risco à frente de um projeto tão acanhado. Ajuda a veicular material de segunda classe. Outra razão de mancha em sua reputação está no péssimo hábito da emissora em permitir que os apresentadores sejam garotos-propagandas de produtos que patrocinam seus programas. Marília vende um produto qualquer e em seguida a reportagem. Ruim para a imagem de uma jornalista. Não bastasse, anuncia o próprio programa. Entre os anúncios publicados na última semana, destacou-se aquele em que Marília era comercializada como uma mulher de olhos azuis e boca carnuda que, além de tudo, "tem um cérebro". Se isso for verdade, ela deve dar o fora antes que os machistas encontrem motivos para reafirmar suas convicções. Marília Gabriela não parece ter posto o cérebro para funcionar. "Domingo 10" merece ser conhecido como "Domingo Zero". Texto Anterior: Led Zeppelin pode voltar com disco e filme Próximo Texto: Em todos os sentidos Índice |
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