São Paulo, quarta-feira, 25 de maio de 1994
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Pior que o soneto

De acinte em afronta, o comportamento do Comitê Organizador da Copa do Mundo nos EUA continua provocando indignação. Primeiro, foi a exigência de que todos os jornalistas que quisessem se credenciar para a cobertura do evento assinassem um termo de compromisso autorizando autoridades policiais norte-americanas a investigar suas vidas ou, como prefere o governo dos EUA, divulgar informações já constantes nos arquivos dos órgãos de segurança do país.
Essa descabida demanda, como era de esperar, suscitou imediata e vigorosa reação em diversas partes do mundo. Afinal, ao tratar todos os profissionais desde logo como suspeitos potenciais, subverte o princípio –básico num Estado de Direito– de que qualquer pessoa é inocente até prova em contrário.
Agora, em virtude da pressão de órgãos de imprensa dos EUA, concordou em promover algumas alterações no despropositado requerimento. Foram alterações que podem ter satisfeito aos jornais norte-americanos, mas só merecem repúdio do resto do mundo.
De fato, a exigência do termo de compromisso autorizando a divulgação, que antes era feita para todos os jornalistas, passou a valer apenas para os estrangeiros.
O Comitê alega que os nacionais do país poderão ainda ser checados pelo FBI por meio do número do seguro social, mas o fato é que, ao contrário dos seus colegas de todo o planeta, serão dispensados do constrangimento de pessoalmente ter de autorizar que suas vidas passadas sejam vasculhadas como se fossem terroristas em potencial. O tratamento diferenciado só fica ainda mais gritante quando se recorda de que o Comitê cedeu à pressão dos jornais norte-americanos –a alteração foi mesmo proposta pelo "The New York Times"– ao mesmo tempo em que refutava, irredutível, os protestos de órgãos de outras partes do mundo.
O mais surpreendente, sem dúvida, é que tudo isso esteja ocorrendo exatamente no país que sempre pretendeu ser o paladino do respeito aos direitos individuais, da liberdade e da igualdade.

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