São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 1994
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Escritor restituiu o crime ao se lugar

RUY CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Durante a temporada em que trabalhou como detetive na Pinkerton, Hammett viajara pelo país e privara com pessoas com quem nem sempre se convive em sociedade: punguistas, traficantes, contrabandistas, ladrões de banco. Todas as mulheres com quem cruzara durante o expediente pareciam ser vigaristas, prostitutas e até chefes de quadrilhas.
Espiara por buracos de fechadura, aprendera os segredos das armas, vira gente morrer, ouvira a gíria do submundo e ganhara cicatrizes de faca. E descobrira que, no crime, não existe literatura –se o nome de Flaubert fosse mencionado para um bandido de verdade, ele acharia que era uma marca de rifle.
Por isso Hammett desprezava os autores policiais ingleses, que, para ele, não sabiam a diferença entre uma pistola e um revólver, e nunca tinham acompanhado uma autópsia. Pois foi essa experiência que Hammett levou para o romance policial, junto com a simplificação e a secura que Hemingway, entre outros, estava operando na escrita americana.
Seus primeiros contos, publicados em 1922 na revista "Black Mask", eram estrelados por um detetive sem nome, que ficou conhecido como o Continental Op, agente da Continental, uma agência fictícia de San Francisco, para onde Hammett se mudara e onde situaria toda a sua literatura.
O Op chegaria aos seus dois primeiros romances, "Safra Vermelha" e "Maldição em Família", de 1929, com os quais Hammett se tornaria uma sensação literária. Mas o melhor ainda estava por vir, e este seria Sam Spade em "O Falcão Maltês", no ano seguinte. Spade era cínico, profissional e à prova de sentimentos –ninguém, nem Hemingway ou Fitzgerald, criara um herói tão duro.
Com o livro, Hammett tornou-se o xodó de Nova York e, em seguida, de Hollywood, que o contratou como roteirista, como fazia com todos os grandes escritores da época (até Aldous Huxley e H.G. Wells foram parar lá).
Escreveu mais dois ótimos romances ("A Chave de Vidro", 1931, e "A Ceia dos Acusados", 1934) e fechou suas torneiras de ouro. Tinha apenas 40 anos quando parou de escrever.
Por que Hammett parou? As hipóteses são muitas: o dinheiro que passou a ganhar (com a adaptação de seus livros para cinema, rádio e até histórias em quadrinhos); seu casamento com a escritora Lillian Hellman (talvez ele achasse demais dois escritores em uma família); o Partido Comunista (Hammett tornou-se militante em 1937); alcoolismo (só parou de beber em 1948, depois de um "delirium tremens"); ou talvez simplesmente falta do que dizer. Uma dessas hipóteses não exclui as outras.
Ah, sim, ele continuou vivendo –ou quase isso. Entre outras peripécias, lutou na Segunda Guerra (servindo no Alasca e nas Aleutas) e foi preso pelo macarthismo (em 1951). Mas o romance dessa fase de sua vida nunca chegou ao papel, pelo menos com as suas palavras. A alternativa é a ótima biografia, "Dashiell Hammett – Uma Vida", por Diane Johnson (Companhia das Letras, 1988).
Quando morreu, em 1961, Hammett tornara-se tão "clássico" quanto Conan Doyle, o pai de Sherlock Holmes. E Sam Spade legara seu "trench-coat" a trilhares de detetives –tanto ao genial Philip Marlowe (criado por Raymond Chandler), como aos divertidos e segunda-linha Dick Tracy, Mike Hammer, Shell Scott. Mas, a esses, Spade não legou sua amarga e realista visão do mundo.

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