São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 1994
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Histórias tiveram longa vida no cinema

SERGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Dashiell Hammett não foi a maior glória literária da América, mas talvez tenha sido a maior glória literária de Hollywood. Mesmo sem deter o recorde de romances e contos adaptados ao cinema, nem o de produção de roteiros. Nenhum outro escritor, contudo, ganhou na tela mais intérpretes do que ele. Três ao todo: Jason Robards em "Julia", Frederic Forrest no biográfico "Hammett, Mistério em Chinatown", e James Coburn (disfarçado como Hamilton Nash) no telefilme "The Dain Curse".
Qual o segredo? Charme, personalidade, uma vida razoavelmente excitante. E a sorte de ter dormido 30 anos com uma mulher atraída e perseguida pela luz dos refletores.
Dia desses, mestre Moniz Vianna me assegurou que a primeira versão de "O Falcão Maltês", por ele revista recentemente em vídeo, só perde para a segunda ("Relíquia Macabra") por não contar em seu elenco com as geniais presenças de Peter Lorre e Sydney Greenstreet. Quanto ao resto, garante o crítico, dá empate. Segundo ele, Mary Astor supera Bebe Daniels, mas Humphrey Bogart perde para Ricardo Cortez. No mais, John Huston teria praticamente copiado a decupagem da pouco vista versão assinada por Roy Del Ruth.
Em todo caso, a reputação de "Relíquia Macabra" permanece inabalada. Críticos e historiadores ainda a consideram a melhor das duas (ou das quatro, se computarmos os pastichos de "Satan Met a Lady" e "O Negócio É Dar no Pé"). E, de quebra, o primeiro filme "noir" digno deste rótulo.
Ele sequer havia chegado a Hollywood quando a Paramount encomendou um roteiro a Ben Hecht e este chupou quase toda a intriga do romance "Safra Vermelha", resultando desse plágio –de resto consentido (ou perdoado), pois Hecht e Hammett eram amigos e mais tarde se tornariam vizinhos– um thriller sem importância, intitulado "Repórter Audacioso" (Roadhouse Nights).
Com todo respeito a Sam Spade, seu herói de maior prestígio e envergadura (até no rádio, encarnado por Edward G. Robinson e sob a direção de Cecil B. De Mille, ele empolgou vasta clientela), guardo especial simpatia por outra cria do escritor, tambem com lastro radiofônico. Perdão, são duas –a bem dizer, um casal: Nick e Nora Charles, magnificamente encarnados por William Powell e Myrna Loy na tela e nas chamadas ondas hertzianas.
Nick e Nora, que há três anos ressurgiram na Broadway como protagonistas de um musical desastroso, tiveram tal aceitação popular em sua estréia cinematográfica, "A Ceia dos Acusados", que a Metro acabou transformando "The Thin Man" em uma série de seis filmes, espaçadamente produzidos entre 1934 e 1947. Sempre com os mesmos intérpretes e, exceto o último, comandados pelo mesmo diretor, o competente W.S. Van Dyke 2º.
Dois grã-finos de Nova York, que volta e meia se metiam a desvendar charadas detetivescas em suas deliciosas estripulias, Nick e Nora transitavam entre a comédia sofisticada e o drama policial. Foi neles sem dúvida que Woody Allen se espelhou ao bolar o casal xereta de "Um Misterioso Assassinato em Manhattan".
Ao contrário do que se possa pensar, o magro ("thin man") do título não era Nick Charles, mas um personagem que, encarnado por Edward Ellis, só aparecia no primeiro filme da série.
Hammett inventou ainda um gordo ("fat man"), este sim protagonista de uma série de rádio, em 1945, que seis anos depois chegaria ao cinema sem perder suas principais características. Era um detetive gordo e gourmet, chamado Brad Runyan. O filme ("Crime no Circo") só não ganhava em insipidez dos seriados com o agente secreto X-9, outro memorável herói de Hammett, que era infinitamente melhor em sua seara original, o gibi, com os traços de Alex Raymond.

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