São Paulo, sexta-feira, 27 de maio de 1994
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Modelo paralítica faz vídeo erótico

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ellen Stohl tinha 23 anos quando escreveu uma carta à revista "Playboy" norte-americana oferecendo-se para posar nua. Mandou junto um punhado de fotos.
Foi uma confusão na redação da revista, em Chicago. Loira, olhos azuis, Ellen fotografava muito bem, mas não andava. Um acidente de automóvel quando tinha 18 anos a deixara tetraplégica.
Dois anos depois da carta, em 87, Ellen tornava-se a primeira deficiente física a mostrar o corpo na revista. "Eu queria provar que não se perde a sexualidade em uma cadeira de rodas", explica.
Anteontem, Ellen desembarcou em São Paulo com esta mesma missão. Ela é convidada do 2º Congresso Brasileiro de Comunicação e Estigma que acontece na próxima semana.
Ellen é modelo e atriz, participa de maratonas em cadeira de rodas e escreve para revistas especializadas. Em julho, a "Playboy" lança um vídeo de "entretenimento", em que Ellen aparece na cama com um parceiro. Ela diz que o vídeo é para o "público em geral" e não só para deficientes físicos.

Folha - Como foi o acidente?
Ellen - Eu estava começando minha carreira como modelo e dirigia meu carro. Era a primeira chuva do inverno e o carro derrapou numa estrada da Califórnia, onde eu morava. No hospital, o médico espetou minha perna e eu não reagi. Quando me contaram que estava paralítica, entrei em choque. Para mim, tudo tinha acabado, trabalho, namorados. Depois informaram que tinha sofrido lesões graves em quatro vértebras. Com o tempo e exercícios, poderia recuperar algum movimento.
Folha - Quando você decidiu voltar a ser modelo?
Ellen - Foi um processo lento. Uns 18 meses depois, eu decidi voltar a meu curso de psicologia na universidade. Aluguei um apartamento e fui morar sozinha. Meu namorado era fotógrafo e me encorajava. Não foi fácil aceitar meu corpo de novo. Quando me vi pela primeira vez no estúdio, eu chorei muito. Comecei então a tocar meu corpo, a observá-lo. Eu via minhas fotos e me achava bonita, mas quando observava a reação das pessoas eu me deprimia. Aí fazia um esforço, `o problema está nos outros, não em mim', eu me dizia.
Folha - Como surgiu a idéia de escrever para a "Playboy"?
Ellen - Eu não aceitava o fato de as pessoas verem os deficientes físicos como assexuados. Eu estava me sentindo bem e bonita, achava que poderia ajudar a mudar esse estereótipo.
Folha - Você fez exigências para a revista quanto às fotos?
Ellen - Conversei muito com o fotógrafo. Ele estava nervoso. Depois passamos 150 horas fotografando. Naquela época, eu preferia que a cadeira de roda aparecesse apenas como um detalhe. Queria mostrar mais meu corpo. Hoje evoluí, acho que a cadeira faz parte da minha vida.
Folha - A reação das pessoas mudou depois das fotos?
Ellen - Quem viu a revista passou a me tratar como mulher. No bar, assobiavam, faziam brincadeiras. Sentir que eu exercia uma atração foi importante. Para os deficientes, acho que também foi bom. Outras revistas me convidaram para fotos. A mesma "Playboy" fotografou depois uma jovem cega.
Folha - Você namoraria um tetraplégico?
Ellen - No início eu tinha certa resistência. Hoje vejo com naturalidade e até já namorei um. Mas se um namorado em cadeira de rodas já é difícil, imagine dois.

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