São Paulo, sexta-feira, 27 de maio de 1994
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Falta à seleção o gosto do sangue na boca

ALON FEUERWERKER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Parece que arrefeceu o debate sobre o ataque da seleção na Copa. Quantos jogam, quem joga, quem fica fora. Entramos na era do consenso fácil Bebeto-Romário. É uma calmaria que preocupa. Não excessivamente, pois algo diz que o time será bem diferente desse que aí está. Foi assim nas outras Copas... Quem sabe?
Vamos ao ponto, e podem cobrar depois: ou Carlos Alberto Parreira ousa e põe em campo um coletivo de gente desacostumada a perder, ou vamos de novo morrer na praia, com as desculpas de praxe. Ok, temos um grupo tecnicamente excelente. Somos favoritos. Mas, e daí?
Ser o melhor não significa automaticamente ser o campeão. Ao contrário. Na história das Copas o México-70 é um acidente (até hoje me pergunto o que teria acontecido se sobrasse no nosso caminho aquele timaço alemão com Beckenbauer, Overath, Seeler e Gerd Muller). Como se veria depois, foi uma edição atípica do torneio, a despedida do "futebol-arte".
Uma análise menos apaixonada de nossa trajetória nos mundiais mostra que ou tudo são flores ou acabamos nos enrolando ali pelo meio do caminho. É só notar que duas das nossas três conquistas foram contra times limitados (suecos e tchecoslovacos), e na terceira pegamos pela frente uma Itália destruída, depois daqueles selvagens 4 x 3 da semifinal teutônica.
Quando os obstáculos são maiores, nossa rotina tem sido o naufrágio. Diz-se que nos falta, como nação, o gosto do sangue na boca. Confesso que fiquei preocupado quando vi a passividade de Bebeto na decisão do Campeonato Espanhol e a indiferença de Romário observando o seu Barcelona ser esmagado pelo Milan na final da Copa dos Campeões da Europa. Lembrei-me daquela história de o jogador disputar a bola como se fosse um prato de comida. De quem mesmo estou roubando a frase?
Desculpem, mas nunca vou entender por que o artilheiro e maior salário de um time (o La Coru¤a) que esperava há um século pelo título não bateu aquele pênalti fatal aos 45min do segundo tempo. Nem que tivesse que sair no braço com o técnico, com o presidente do clube, com...
Quem não aprende com a história está condenado a repeti-la. Tomara. Para sorte dele e nossa, Parreira tem as cartas na mão, assim como Vicente Feola 36 anos atrás. É sempre útil lembrar que 58 começou com Dida, Joel, Dino Sani, Mazzola e De Sordi. Acabou com Pelé, Garrincha, Zito, Vavá, Djalma Santos e a Jules Rimet. Como hoje, vínhamos de duas humilhações. Coincidência?
A esperança está no banco. Em Ronaldo, o implacável, o teen que faz mais gols que Pelé. O menino que veste a camisa amarela com a leveza de quem vai ali ao lado bater uma bola com os amigos. Em Viola, o garoto que saiu do nada para dar de presente, e de canela, um título ao Corinthians. Os dois mais Romário. Ou Muller, o que ganhou dois mundiais para o São Paulo em Tóquio. Um ataque de luta, técnica e alta velocidade, abrindo espaços para as jogadas de Raí. Sim, Raí, o que nunca perdeu uma decisão.
A derrota acaba gostando de quem se acostuma com ela, e nome não ganha jogo. Menos ainda em Copa do Mundo. Que o digam Leônidas, Zizinho, Puskas, Cruyff, Zico.
Se eu fosse o técnico, fechava todo mundo num quarto escuro e jogava as camisas para cima. Sobreviveu? Estava escalado para entrar em campo dia 20 no Stanford Stadium.

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