São Paulo, sexta-feira, 27 de maio de 1994
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Wim Wenders despenca com seus anjos

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Filme: Tão Longe, Tão Perto
Direção: Wim Wenders
Elenco: Otto Sander, Peter Falk, Bruno Ganz e Nastassja Kinski
Onde: Espaço Banco Nacional 1, Calcenter 1

Quando "Tão Longe, Tão Perto" estreou na Europa, no ano passado, não havia mais razão para comoção ou surpresa.
O filme serviu apenas de confirmação para o que Wenders já tinha mostrado, para infelicidade dos fãs, com "Até o Fim do Mundo", seu filme anterior.
O difícil era explicar o que tinha feito um cineasta cult, revelado em meados dos anos 70 com obras-primas como "Alice nas Cidades" e "No Decorrer do Tempo", escorregar para uma caricatura desembestada de si mesmo.
O fascínio que Wenders exerceu durante os anos 70 e 80 tinha a ver com uma perspectiva existencialista do mundo, as imagens tratadas como rock'n'roll, um ponto de vista romântico do movimento e da evasão, uma versão melancólica do espírito "on the road".
Pouco a pouco, um germe moralista veio atrapalhar essa relação mais inocente e ingênua com as imagens –vistas como um mecanismo de fruição e movimento– para associá-las ao mal e à ilusão.
O cineasta, antes deslumbrado com os EUA, vai, a partir da experiência difícil de "Hammett" (produzido por Coppola em Hollywood), sentir-se mais à vontade para representar o cinema americano como corrupção.
Também inicialmente fascinado pelas novas tecnologias das imagens eletrônicas, ele vai gradualmente passar ao ataque, chegando ao cúmulo de representá-las por uma metáfora fácil e primária do vício em "Até o Fim do Mundo".
"Tão Longe, Tão Perto" é a resposta dessa fase moralista e reativa ao belo "As Asas do Desejo" (1987), com roteiro de Peter Handke, em que o cineasta redescobriu o filão cinematográfico dos anjos, na melhor tradição sentimental de Frank Capra.
Em "As Asas do Desejo", Wenders capitalizava sobre essa mina dramática, que era o fato de os anjos serem personagens que ouvem o pensamento dos humanos e os observam passivamente, sem poder ajudá-los. Seu filme era um elogio à vida, ao mundo dos desejos e prazeres, aos sentidos, à matéria. Era a história de um anjo caído que queria sentir e viver como os humanos.
Em "Tão Longe, Tão Perto", essa mina é diluída, torna-se repetitiva e piegas. Mais uma vez os anjos sobrevoam Berlim e mais uma vez um deles (Cassiel) se sente tentado a se tornar humano, mas ao contrário da experiência apaixonada de seu colega em "As Asas do Desejo", seu destino é conhecer o mal e o sofrimento.
Wenders inventa uma espécie de anjo do mal, um Mefistófeles cuja meta é frustrar a experiência do anjo Cassiel, que, depois de se tornar um mendigo, envolve-se com corrupção e tráfico de armas.
A trama é tão frágil e esquemática quanto o moralismo infantil que parece ter obnubilado os olhos de Wenders diante do mundo após a queda do muro. Até o pobre Gorbatchev se presta, em sua estréia como ator de cinema, a essa pieguice, fazendo um discurso sobre a paz com um anjo a seu lado.
A favor do cineasta, conta a trilha sonora de Laurent Petitgand, com U2, Lou Reed e outros. Wenders já havia acertado na seleção das músicas em "Até o Fim do Mundo". Quem sabe seu futuro não é ser DJ?

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