São Paulo, sexta-feira, 27 de maio de 1994
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O legal e o justo

Mal começa a campanha presidencial e já se observa por todos os lados uma série de desrespeitos flagrantes à legislação eleitoral em vigor, em alguns casos acompanhados de declarações no mínimo inquietantes. A lei é clara ao proibir partidos e candidatos de receber recursos ou usar equipamentos de sindicatos ou entidades de classe. Ainda assim, Lula utilizou um carro de som da CUT. Da mesma forma, a lei é cristalina ao não permitir que órgãos públicos ou suas dependências sejam usados em favor de qualquer partido. Ainda assim, Fernando Henrique Cardoso emprega a estrutura do Senado para fazer campanha.
O princípio que inspira a legislação é sem dúvida correto. Afinal, não parece justo que recursos públicos ou dos trabalhadores sejam usados em favor de uma determinada candidatura.
Também inquietante é a declaração de Lula de que entre a lei e a justiça, fica com a segunda. É bem verdade que o candidato petista não disse explicitamente que vai seguir desrespeitando a lei, afirmou apenas que a considera ilegítima, o que é sem sombra de dúvida um direito seu. É óbvio que podem existir leis injustas e qualquer um tem o direito de questionar sua validade nos fóruns adequados.
De resto, dizer que prefere o justo ao meramente legal é muito fácil. Ocorre, porém, que as fronteiras entre o que é justo e o que é injusto comportam uma subjetividade imensamente maior do que as que existem entre o que é legal e o que é ilegal. Assim, o candidato pode achar injusta a lei eleitoral, enquanto outros a consideram justa.
Foi justamente para evitar que as idéias que cada ser humano tem a respeito de justiça se chocassem levando a sociedade a uma nefasta situação de caos que as comunidades modernas desenvolveram o Estado de Direito, ou seja o princípio de que a lei estabelecida numa situação de normalidade democrática deve ser observada.
Nesse sentido, o que causa apreensão na declaração de Lula é que ela lança dúvidas sobre até que ponto o candidato, se eleito, estará de fato comprometido com o Estado de Direito. E isso é grave.

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