São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
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Os econoartistas

RICARDO SEMLER

Êta terra da ladainha. Há dois tipos de economistas: os sérios e técnicos, que estudam os números como uma ciência, e os artistas, que se valem das estatísticas e teorias econômicas para dar o tal do "parpite". Só se conhece estes últimos, já que os sérios falam uma língua ininteligível. São 99% da classe, mas são os sócios silenciosos de uma confraria ruidosa que se diverte com a mistificação que consegue criar. Soltam seus trocadilhos como se estes tivessem alguma base intelectual, citando âncoras, bases salariais e previsões que quase nunca se confirmam, na correta avaliação de que os jornais não fazem comparações póstumas das profecias com a realidade.
Numa convenção de empresa os diretores me perguntaram, com antecedência, a respeito do que eu falaria sobre a economia. Eu expliquei, e um deles empalideceu. Você não pode falar isso, ele logo emendou, porque já contratamos o famoso economista X, que vai dizer que tudo será cor-de-rosa. Mas ele acha isso mesmo, perguntei? Não, veio a resposta, mas nós é que estamos pagando.
Nos jornais não é diferente. Agora, na ante-sala do Real, começam as especulações desancoradas sobre o que será esta nau. Sabendo que tanto faz, os econoartistas se metem a prever a taxa real de juros, a explosão ou explosinha do consumo e a defasagem de câmbio. O resultado se vê nas pesquisas de opinião pública. 55% diz que a inflação vai continuar depois do Plano, e que não vai funcionar. Ora, ora, hora. Daqui a alguns meses o índice de aprovação será alto, e os econoartistas dirão que essa alegria vai acabar. É um vídeo com rewind automático. E a gangorra das opiniões, públicas e privadas, continua tão firme quanto os palpites e as palpitações sobre a Copa do Mundo.
Aliás, Copa é outro assunto preferido dos comentaristas econômicos. Veja bem, dizem com ar compenetrado, poderemos ter uma euforia de consumo se o Brasil for tetra, refletindo num aumento de 11% no consumo de bens perecíveis. Que bruta conversa pra boi sonolento. Depois da morte do Senna, o índice de acidentes despencou, o uso de cintos de segurança desembestou, e os experts declaravam que os brasileiros não seriam mais os mesmos no trânsito. A balela implodiu em menos de uma semana, já que, dias depois, o índice de acidentes havia voltado ao confortável normal.
Com o consumo, é o mesmo. Para os economistas de direita, interessa dizer que o salário é que vai segurar o consumo. Para os economistas exclusivos dos empresários, é praxe falar em juros altos demais e defasagem do câmbio. Aliás, não precisa ter doutorado em comércio exterior para saber que os empresários que exportam sempre seguem uma linha simples: se o câmbio está bom, fala-se em 15% de defasagem. Estando péssimo, fala-se em 30%. Já para os economistas do PT, qualquer plano está acabando com o poder de compra do trabalhador e engessará apenas as classes baixas, já que os ricos e os empresários estarão libertos pelos altos juros e falta de controle sobre preços (aliás, é sempre este o caso).
O aconselhável, portanto, é bocejar quando os econoartistas de plantão estiverem abrindo a boca, talvez acrescendo uma pequena reza para que entre uma mosca nestes vendidos oráculos de Delfos. O que vai ocorrer é sempre uma mesclagem das experiências passadas e conhecidas de outros planos. Nada mais. Boaiada, vamos a dormir.

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