São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
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Rei perde imóvel depois de 400 anos em Londres

Descoberta de documento de 1444 encerra disputa judicial

CARLOS MARTOS
DA "EFE"

A "City" de Londres, núcleo histórico da cidade e hoje um centro financeiro de primeira importância, derrotou o rei Jaime 1º nos tribunais, depois de quase 400 anos, na questão do mercado de Smithfield.
Foi preciso proceder a um meticuloso exame de documentos medievais para tirar da Coroa britânica a propriedade de Smithfield, o maior mercado de carne de Londres, que ainda hoje conserva sua histórica estrutura metálica com teto de cristal, da época vitoriana.
Os juízes do tribunal de apelações de Londres encontraram um documento datado de 1444 que representa a primeira carta real de concessão de Smithfield à "City", assinada pelo rei Henrique 6º naquele ano.
A concessão foi renovada por Henrique 7º em outra carta real datada de 1505, pela qual, segundo a Corporação de Londres (a Câmara Municipal da cidade), a Coroa "não tem ambições em relação ao local em questão", propriedade da City "desde tempos imemoriais".
Apesar disso, foi o rei Jaime 1º que, em 1613, tentou tirar Smithfield da Câmara Municipal de Londres, que se considerava proprietária do mercado.
Hoje a zona em que Smithfield se localiza tornou-se alvo de grande interesse das construtoras de edifícios de escritórios, pois está situada na chamada "milha de ouro quadrada" do centro financeiro londrino e ao lado da West End da capital britânica.
Finalmente o tribunal de apelações decidiu que a "City" é proprietária da Smithfield em regime de "freehold" (domínio absoluto), embora o terreno sobre o qual o mercado está construído só possa ser utilizado para os fins atuais ou para transformar-se em espaço aberto.
A disputa judicial sobre o mercado de Smithfield põe em destaque as diferenças existentes entre as propriedades em regime de "freehold" e de "leasehold", figuras contratuais desconhecidas de muitos não-britânicos.
No Reino Unido, especialmente em Londres e nos grandes centros urbanos, os particulares muitas vezes têm que conformar-se em comprar sua residência e o solo do lote em que se assenta em regime de "leasehold", que constitui um arrendamento por um prazo previamente combinado, que às vezes pode ser maior do que cem anos.
Transcorrido este prazo, o solo do lote volta às mãos do proprietário histórico do mesmo ou de seus herdeiros, a não ser que seja negociado outro "leasehold". Nesse caso, a pessoa que o ocupa ou que deseja continuar nele precisa voltar a comprá-lo.
O regime de "freehold", pelo contrário, permite ao comprador conservar para sempre a propriedade do solo.
As reformas introduzidas recentemente pelo primeiro-ministro britânico, John Major, permitem pela primeira vez que os cidadãos que residem em regime de "leasehold" possam ter acesso ao "freehold", sob certas condições.
Isto provocou a oposição do duque de Westminster, proprietário de extensas áreas de Londres, que levou seu protesto ao governo e ao Partido Conservador.
A situação colocada tem um certo paralelismo com a disputa sobre o citado mercado, já que a reclamação da Coroa se baseava no fato de que as cartas reais estabeleciam a propriedade do rei sobre o local mas o direito da Câmara Municipal de determinar os usos que seriam feitos de Smithfield (regime de "leasehold"). Já para a Câmara, o compromisso firmado garante a ela os direitos de propriedade sobre o terreno (regime de "freehold").

Tradução de Clara Allain

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