São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
Texto Anterior | Índice

Esforço gasto valeu a pena, afirma cientista

TERESA RODRIGO
DO "EL PAÍS"

Observações: TRADUÇÃO: CLARA ALLAIN; PÉ BIOGRÁFICO
Esforço gasto valeu a pena, afirma cientista
O Modelo Padrão das partículas elementares é a teoria que descreve de maneira assombrosamente precisa os componentes mais elementares da matéria. Ele prevê, inclusive, a existência, de objetos que não haviam sido observados anteriormente, como é o caso do quark top. Então por que gastar tanto esforço, talento e dinheiro com algo que já se sabe?
Há muitas razões. A primeira e principal é a base do método científico: apenas a experimentação sob rigorosas condições de controle pode, com seus resultados, confirmar as teorias.
A segunda é que nós físicos desconfiamos (na realidade estamos convencidos) de que o Modelo Padrão, apesar de sua incrível colheita de êxitos, não pode ser o final da história.
A engenhosidade dos físicos teóricos para imaginar o que há "além" do Modelo Padrão é notável. De acordo com suas teorias, existe um "mundo novo" ainda por descobrir. A prova experimental dessas teorias exige grande complexidade tecnológica, e muitas hipóteses aventadas terão que esperar muito para serem confirmadas ou desmentidas.
Tomemos como exemplo o quark top. Três gerações de aceleradores o vêm procurando. Os detectores utilizados no início quase parecem brinquedos de criança em comparação com o detector CDF (Collider Detector at Fermilab, ou "Detector do Colisor no Fermilab"), com o qual, finalmente, encontramos evidências diretas de sua existência.
Para que se pudesse encontrar essa evidência do quark top foi preciso primeiro alcançar a energia necessária para produzi-lo.
O Tevatron, o acelerador do Fermilab, é o único capaz de criá-la. Este aparelho acelera prótons e antiprótons até uma energia de um bilhão de elétrons-volt por feixe de partículas (elétron-volt é a energia que um elétron adquire ao ser acelerado por uma "pilha" hipotética de um volt).
Prótons e antiprótons viajam em direções opostas, e a cada segundo se produzem 250 mil colisões entre eles em dois pontos do anel do acelerador.
Num desses pontos está o CDF e, de características semelhantes que registram o rastro das centenas de partículas diferentes que se produzem a cada colisão.
As colisões ocorrem dentro desses dois enormes detectores. O desenho e construção do CDF ficou a cargo dos institutos e universidades americanos, italianos e japoneses que colaboraram para a realização da experiência.
O centro do detector é atravessado pelo tubo de vácuo que conduz o feixe e é ali que se produzem as colisões entre prótons e antiprótons. Á sua volta, e muito perto do feixe, dispositivos são capazes de rastrear o passo das partículas com precisão em torno de centésimos de milímetros.
Os sinais dos detectores são analisados imediatamente pelos computadores de controle da experiência, que decidem com enorme rapidez as colisões que devem ser estudadas.
Cem páginas
Apesar da velocidade com que funcionam os computadores, o processo de seleção da colisão e o de extração e registro da informação faz com que se guardem em média apenas dois ou três choques por segundo. Cada uma destas colisões registradas dá informação equivalente a um livro de mais ou menos cem páginas.
Programas com milhões de linhas de instruções controlam as operações do computador. Não apenas as de tomada de decisões, mas também as que mantêm em ordem suas "constantes vitais", como as voltagens de seus sistemas eletrônicos, as pressões e temperaturas dos gases que há em seu interior etc.
Uma dezena de físicas e físicos, em turnos de oito horas, supervisiona o trabalho desse "cérebro central", e mantém o CDF funcionando 24 horas por dia, sete dias por semana, durante os períodos de operação do acelerador.
No ano passado, durante 18 meses, o CDF selecionou 16 milhões de colisões, das quais apenas 12 correspondem às características que se esperariam durante a produção do quark top.
Essa seleção não é simples. Requer que se compreenda detalhadamente o comportamento do detector e que se faça uma cuidadosa interpretação dos dados.
Durante esse tempo, de forma individual ou em pequenos grupos, no Fermilab ou em suas diferentes universidades de origem, os físicos analisaram os dados com técnicas muito diferentes. Graças ás redes informatizadas que interligam os institutos e universidades, cada pesquisador pode acessar os sistemas centrais do CDF dos mais distantes laboratórios de pesquisas, com a simples ajuda de seu pequeno computador pessoal ou estação de trabalho.
Além disso, cada pesquisador em seu escritório se comunica com seus colaboradores como se eles estivessem na sala ao lado. E, periodicamente, os físicos do CDF se reúnem para discutir as conclusões a que cada grupo chegou.
Assinatura
Devido a uma lei de conservação da natureza, o quark top só pode ser produzido em pares, isto é, um quark e sua antipartícula.
Cada um deles se desintegra quase instantaneamente num quark de tipo bottom e numa outra partícula já detectada em experimentos anteriores. Mas não são essas as duas partículas observadas no Fermilab.
Na realidade, depois de uma série de processos subnucleares, o resultado final é o aparecimento de mais de uma centena de partículas estáveis, que inundam o detector com seus traços. Desses produtos finais podem ser deduzidos os objetos originais de que provinham.
Assim, embora os quarks não sejam observados diretamente, a partir das características da enxurrada de partículas que geram somos capazes de determinar seu tipo (pelo menos de forma estatística).
Em alguns casos o resultado final é extraordinariamente específico do processo original que ocorreu. É o que se chama de uma "assinatura". Para encontrar o top, no CDF, temos buscado alguns tipos extremamente especiais de assinaturas nas milhões de colisões produzidas. E as encontramos.
A simulação detalhada do comportamento de possíveis falsificadores que imitam a assinatura do top e da resposta precisa de nosso detector permitiu que nos convencêssemos de que esses 12 casos bem-sucedidos de assinaturas encontradas não podem ser produto do que conhecemos até agora, mas que constituem uma indicação bastante clara da criação de um par com o top. Encontrar o quark top supõe o fechamento de uma página a mais do Modelo Padrão.
Quando, dentro de alguns meses, como esperamos, conseguirmos determinar com maior precisão sua massa, estaremos dando, além disso, um importante passo para nos aproximar de uma partícula ainda mais misteriosa e difícil de encontrar: o bóson de Higgs, esse estranho objeto sem o qual não saberíamos como as partículas adquirem sua massa.

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: A detecção do último quark
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.