São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
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A outra face do liberalismo

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Em uma pesquisa recentemente realizada na Alemanha, a população foi solicitada a escolher entre dois tipos de governo: a) um que dá aos seus cidadãos a mais ampla proteção, mas que intervém sistematicamente na economia; b) e outro que raramente interfere no mercado, mas que atende apenas as necessidades básicas dos cidadãos.
Sondagens desse tipo, realizadas no Brasil, têm revelado uma forte preferência da nossa população pelo governo do primeiro tipo –ou seja, o governo protetor. Isso é geralmente atribuído à nossa tradição paternalista e às seculares formas de subsídios e incentivos dispensadas a empresários, trabalhadores, funcionários públicos e outros.
Mas na Alemanha –um país capitalista e que diz venerar as regras da livre concorrência e do liberalismo– esperava-se uma esmagadora maioria de opiniões favoráveis ao governo do segundo tipo, ou seja, o que atende as necessidades básicas sem intervenção.
Os resultados da referida pesquisa foram simplesmente surpreendentes: quase 60% dos alemães preferem o governo protetor e interventor. Entre os alemães da ex-Alemanha Oriental, essa proporção chegou a quase 80%! (dados da revista "The Economist" de 21/05/94).
Isso é intrigante, mas, pensando bem, tem sua razão de ser. Afinal, qual é o ser humano que, podendo optar pela segurança, escolhe a insegurança? É da natureza humana buscar a proteção e evitar o abandono. Por isso, o Estado que protege é sempre bem-visto por quem espera ser protegido.
Os políticos conhecem bem esse lado da psicologia popular. Por isso, em suas campanhas, prometem aos eleitores o máximo de segurança. Mas, uma vez eleitos e sentados na cadeira dos governantes, eles percebem que a realidade é outra.
O Estado atual está longe de poder satisfazer as imensas aspirações populares. No caso brasileiro, o Estado quebrou há muito tempo. Os nossos órgãos públicos não conseguem sequer proteger a saúde, a velhice e a vida. Os hospitais, a Previdência e a segurança pública faliram de forma fragorosa –muito mais pelo desmando do que por falta de recursos. O pior é que, em lugar de reorganizar aqueles órgãos, muitos governantes preferiram enaltecer as virtudes de um liberalismo que, no caso, é um mero sinônimo de abandono e desleixo.
É preciso separar o joio do trigo. Assim como não se pode acreditar nos que exploram essas escandalosas teses populistas, que hoje prometem o que não pode ser realizado, não é correto comprar a filosofia de um falso liberalismo simplesmente porque os órgãos públicos ruíram.
Instigar a criatividade dos seres humanos e garantir a liberdade é muito bom. Mas isso não pode vir como resultado da capitulação das instituições. O verdadeiro liberalismo necessita de muita ordem para, com base nela, se chegar à liberdade. Ele está longe de ser fruto de um estado anárquico ou resultado da impotência governamental.

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