São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
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A real situação das universidades paulistas

FLÁVIO FAVA DE MORAES; JOSÉ MARTINS FILHO; ARTHUR ROQUETE DE MACEDO

O debate foi público porque as universidades são devedoras de esclarecimento
Nos três últimos meses, os salários foram reajustados 13,64% acima da inflação
FLÁVIO FAVA DE MORAES, JOSÉ MARTINS FILHO e ARTHUR ROQUETE DE MACEDO
Por iniciativa da Folha, as assessorias econômicas da USP (Universidade de São Paulo), da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e da Unesp (Universidade Estadual Paulista) travaram, na tarde de ontem, com as respectivas assessorias do chamado "Fórum das Seis", um debate sobre a situação orçamentária e financeira dessas instituições de ensino e pesquisa.
Como se sabe, o debate se deu no contexto de uma greve que se arrasta há duas semanas e coroa uma série de discussões anteriores, cujo principal ponto divergente se concentrava na questão dos números.
A diferença é que, desta vez, o debate foi público, como públicas e devedoras de esclarecimento público são, aliás, as três universidades.
O fato de que, no turbilhão de movimentos grevistas que assolou o país nas primeiras semanas de maio, o movimento salarial das universidades estaduais paulistas tenha merecido uma atenção particular só demonstra a importância do papel que essas instituições têm desempenhado no campo de pesquisa, do ensino superior e da prestação de serviços à sociedade.
Com efeito, no contexto das aproximadamente 80 instituições universitárias brasileiras, elas respondem sozinhas por mais de 55% da pesquisa tecnológica e científica produzida em território nacional.
Concentram mais da metade dos programas de doutorado existentes no país e, em suas regiões específicas, são hoje o sustentáculo do falido sistema de saúde brasileiro, mantendo hospitais que enfrentam uma demanda quase insuportável, mas que, não obstante isso, continuam a oferecer serviços tecnicamente eficientes a milhões de pessoas que não têm outra alternativa de atendimento.
Natural que esse vasto complexo de atividades só seja possível em instituições que, no seu conjunto, mantêm 85% de seu corpo docente em regime de tempo integral, dedicando-se exclusivamente ao trabalho científico e acadêmico.
É também notável que 80% de seus professores tenham no mínimo o título de doutor, um índice incomparável no plano latino-americano e excelente mesmo em termos internacionais mais amplos.
Foi o reconhecimento dessa singularidade que levou à conquista, pelas universidades estaduais paulistas, da autonomia de gestão financeira, mecanismo através do qual o governo lhes repassa automaticamente, desde 1990, a cota de 9% sobre a arrecadação do ICMS do Estado.
O benefício trazido pelo decreto da autonomia pode ser medido não só pela ascensão dos indicadores físicos de desempenho das três instituições, mas também pela disposição do Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas) para preservar, desde então, o poder de compra dos salários vigentes desde o Plano Collor, reconhecidamente baixos, porém embutidos num contexto de transe econômico em que todos os salários experimentaram uma queda progressiva de seu valor real.
É preciso não esquecer que, no confronto com a maioria das categorias profissionais do serviço público e de boa parte dos trabalhadores do setor privado, as universidades estaduais paulistas foram das poucas que, nos últimos anos, puderam contar com uma política de reajustes mensais de acordo com a inflação.
Nos três últimos meses, por exemplo, os salários foram reajustados 13,64% acima do acumulado inflacionário, o que permitiu uma ligeira recuperação salarial em relação a maio do ano passado e colocou os salários das três universidades no patamar de novembro de 1990.
Isso denota duas coisas: que os salários a serem pagos no início de junho, sem serem propriamente altos, são os melhores desde as três últimas datas-base; e, segundo, que a disposição do Cruesp de recuperar os níveis salariais anteriores ao Plano Collor, anunciada antes das negociações e reiterada ao longo de seu curso, é efetiva e já começou a ser implementada.
Prova disso é que, antecipando-se a todos os demais fóruns de definição salarial, o Cruesp tomou medidas para que os servidores universitários paulistas tenham garantida a plena reposição da inflação na transição da URV para a nova moeda (o real), que entra em vigor em 1º de julho.
Assim, esses servidores já têm garantida a diferença entre a URV até o dia 30 de junho (estimada em 33%) e a variação da inflação Fipe da última quadrissemana do período (cerca de 46%), o que resultará em um novo aumento real, de 8,27%, a ser incorporado aos salários que serão creditados no início de julho.
Além do mais, acordou-se que, se a variação do ICMS em maio e junho for superior aos reajustes salariais concedidos no período, a diferença será repassada aos servidores na forma de abono.
Pode não ser o que as entidades reclamam, mas é o máximo que as universidades podem dar.
A política atual, com os salários colocados no patamar em que agora se encontram, passa a representar um comprometimento médio de 91% dos recursos orçamentários das três universidades com folha de pagamento, bem superior, portanto, ao limite de 85% estabelecido de comum acordo entre os reitores e as entidades, há algum tempo.
Quer isso dizer que sobram para as universidades, na média, escassos 9% de seus recursos para as despesas de custeio e investimento.
Depois, não se deve esquecer que os salários dos servidores universitários estão hoje sendo pagos em moeda estável, o que significa que vêm crescendo automaticamente com a inflação, ao passo que as flutuações da arrecadação não necessariamente asseguram a manutenção do valor real dos recursos liberados pelo Estado.
De resto, sabe-se que, além das contas correntes para as quais é necessário manter uma cota de recursos contingentes (despesas com água, luz, telefone, alimentação, transporte etc.), é preciso provisionar o pagamento de férias e do décimo-terceiro salário –bastando, nesse aspecto, lembrar que as universidades têm apenas 12 repasses anuais e não 13.
O Fórum das Seis fixou-se numa reivindicação irrealista de 37% sobre a URV de maio –mais tarde modificada para 27% imediatos mais 10% distribuídos pelos meses restantes do ano –o que elevaria o comprometimento médio orçamentário com a folha para estratosféricos 104%. Ou seja, faltaria dinheiro até para pagar os próprios salários.
Todavia, em função de expectativas irreais, deflagrou-se um movimento de greve que, mesmo longe de ser total, vem prejudicando seriamente as atividades de ensino de graduação.
Desde então, a mobilização vem sendo mantida viva, em alguns setores, graças à contraposição maciça e sistemática de números que não condizem com a realidade orçamentária das três universidades, como se aos reitores aprouvesse mascarar seus orçamentos, quando estes já estão transparentemente abertos para quem os quiser ver.
Era natural que o enrijecimento das exigências trouxesse, ao fim das várias tentativas de entendimento, não o fechamento do diálogo, mas um ponto-limite a partir do qual já não faz sentido sentar-se à mesa quando se reluta em conferir às informações consolidadas a necessária credibilidade.
O resto já se conhece: a radicalização do movimento, o paredismo contra os que não concordam com ele e a clássica confusão que faz com que o estado de greve seja imposto, não como um direito, mas como uma obrigação a ser cumprida ainda que à custa de obstruções e constrangimentos.
De nossa parte, disposição para o diálogo sempre haverá. Prova disso é o debate que acaba de se realizar no auditório da Folha.
Tome-se essa iniciativa como um passo a mais no já iniciado processo de avaliação institucional. Quem sabe seremos capazes de tomá-la também como uma oportunidade de ouro para o amadurecimento democrático. As universidades não têm o que esconder.

FLÁVIO FAVA DE MORAES, 55, é reitor da USP (Universidade de São Paulo) e presidente do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas.
JOSÉ MARTINS FILHO, 50, é reitor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
ARTHUR ROQUETE DE MACEDO, 50, é reitor da Unesp (Universidade Estadual Paulista).

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