São Paulo, domingo, 29 de maio de 1994
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O BRASIL EM CASA

SUZANA CAMARÁ

A versão 94 da Casa Cor pode ser uma grande oportunidade para o resgate da auto-estima brasileira. A mostra reunirá a partir do dia 31, em uma casa nos Jardins, trabalhos de 59 dos profissionais mais importantes da decoração do país. Eles não precisam mais ir buscar inspiração no exterior. A nova tendência mundial para os interiores é tropicalista de corpo e alma

O colorido dos países do Terceiro Mundo invade a decoração mundial, que elege as formas orgânicas, evita o toque sintético e varre o cenário high-tech, redescobrindo a elegância da simplicidade

Um ar caseiro substitui estilos apoteóticos. A casa moderna não tem medo de deslizes "bregas". Comporta a chita e o tapete persa, junta o pobre ao nobre. Cafona, agora, é o decorador da escola autoritária

A decoração adere à geléia geral, misturando tudo com muita graça. A ginga do parangolé vira um novo estilo

Será o benedito? Até quando pobres brazucas vão correr atrás de bares ingleses, copas country, falsos fragmentos de colunas gregas? Os antenados na alta-decoração internacional já captam nova mensagem: a elegância moderna é a cara da coisa nossa. Parece brasileira da silva e está, de uma forma intuitiva, se firmando como a tendência decorativa mais esperta deste fim de século.
Duvida? Abra então qualquer edição recente das revistas estrangeiras sobre decoração. Cada uma na sua, todas formam uma ode uníssona ao tropicalismo despretensioso, um estilo singular e plural, meio caipira, meio praiano, colorido e arejado que, sem ser imposto via decoradores tiranos, se espalha por vários lares bacanas do mundo afora.
Assim como as tendências que têm pautado outras artes, o visual ensolarado ilumina a decoração mundial com um quê de "world music". Parece que muita gente, ao mesmo tempo, e sem saber como e nem porque, descobriu as delícias simples dos ambientes do Terceiro Mundo e pinçou deles os mesmos ícones.
Os tapetes e carpetes em voga em todas as partes do planeta são da família do sial. As paredes são verdes, amarelas, goiabas, branquíssimas ou azuis, nada pastéis, pintam em Paris, Nova York, Milão, até mesmo Oslo. Os móveis e objetos decorativos, na maioria das vezesm orgânicas, étnicas, amplas e debochadas, vão parar nos minúsculos imóveis japoneses. Para deliciar a família e causar impacto visual.
Os ambientes estão em busca do calor e querem refletir, dia e noite, a luz solar e a da plaha. Os vazos grandes, gordos e extravagantes desbancam ikebanas e arranjos equilibrados, reabrigando palmas, girassóis e margaridas rebeldes. Portas, clarabóias, varandas e janelas gigantes rasgam o céu, deixando com que a paisagem externa entre e faça parte do show interno.
As madeiras nobres, claras e maciças viram mesas, cadeiras e sofás assinados por artesãos do bem-estar. Os pisos de parquê, tábuas lavadas e pedras porosas indicados como fio-terra ideal de qualquer ser urbano, provam a rejeição universal ao toque sintético. Freud explica? Explica. O homem moderno já assume que adora um colo.
Rechonchudo, aconchegante, alegre e confiável, com um quê de provinciano, igualzinho ao da mãe brasileira, eterna avessa ao high-tech e ao minimalismo.
O algodão cru, o linho puro, o vime, a lona e a lonita colorida, o azul listrado-pijama, a chita estampada com flores graúdas, os bordados com ares de manuais e as pinceladas de cal e pó xadrez vêm para valorizar ambientes com volumes cheios e generosos.
As peças assinadas por designers radicais, os tapetes persas, as porcelanas timbradas e as pratas contrastadas entram como meros coadjuvantes. Como bibelôs opcionais. A casa deixa de ser um cenário fofo ou apoteótico. Passa a ser um colo gostoso, repleto de historinhas e bom humor.
A mão autoritária e o dedo caríssimo do decorador-estrela viraram cafona. Brilham os profissionais menos puristas –capazes de misturar com bossa novo com antigo, caro com barato, falso com verdadeiro– e os humildes de espírito, que sabem se virar com um orçamento limitado, sem menosprezar valores e heranças do cliente. Jogo duro. Hoje em dia, tanto o marido, que já não se contenta em escolher só sua poltrona, quanto as crianças, que precisam da sala para brincar, palpitam e interferem em todo o arranjo da casa.
Por mais nórdica, sangue azul ou sofisticada que seja, a casa moderna d'além mar tem ar caseiro e nenhum medo de cometer deslizes bregas. Ralph Lauren, o estilista americano que também é mestre na decoração de varejo, faz parte dessa escola.
Quem sobe ao andar dedicado aos interiores de sua loja nova-iorquina tem a impressão de que acaba de entrar na casa de alguém querido.
No departamento decorativo de Ralph Lauren, cada ambiente tem móveis com cara de amaciados, é recheado com referências pessoais e tido como um casulo de luxo exatamente por não ter tal pretensão. RL mistura lençóis de diferentes jogos em uma mesma cama, põe flores de plástico em latas galvanizadas, tapetes de retalhos ao lado de legítimos caucasianos, descola lustres de cristal do tempo do onça, cocares indígenas, velhas poltronas de couro, desenhos infantis e luminárias cromadas, mistura tudo com objetos de vidro, ratam, prata e cerâmica, se diverte, abafa e vende pra caramba. É o Primeiro Mundo ensaiando a ginga decorativa do parangolé. Uma idiossincrasia pra lá de brasileira, tropicalista por natureza, ainda desdenhada pela maioria da pretensa elite de seu país de origem.

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