São Paulo, segunda-feira, 30 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Seguros, uma tomografia do setor

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

A diferença básica entre uma radiografia e uma tomografia é que a segunda fornece um diagnóstico muito mais acurado, permitindo ao médico agir com muito mais eficiência no tratamento do paciente.
O mercado segurador brasileiro está seriamente doente e este artigo pretende mostrar aos interessados, de forma simples, os principais problemas que ele enfrenta.
O que se pode dizer, dentro de um diagnóstico amplo, é que a atividade envelheceu e precisa de um tratamento capaz de remoçá-la, dando-lhe a resistência indispensável para atravessar o maremoto que vem por aí.
A situação se agrava com a chegada do real, somada a toda a série de besteiras que foram e continuam sendo feitas, em nome de critérios perfeitamente absurdos, como comissões mínimas e outras práticas pouco ortodoxas, que surgirão ao longo do artigo.
Apenas para manter a hierarquia prevista no decreto-lei 73/66, que regulamenta a atividade seguradora no Brasil, vou começar pelo Conselho Nacional de Seguros Privados, que é o órgão que deveria dar as linhas mestras do setor, e terminar nos corretores de seguros.
Mas, volto a insistir, é uma ordem aleatória, já que todos os setores padecem de problemas graves, que complicam muito o quadro geral.
O Conselho Nacional de Seguros Privados, de acordo com o decreto-lei 73/66, é o órgão normatizador de toda a atividade seguradora no país. Só que, por um desses acasos da vida, o desastre chamado "Constituição dos Miseráveis", acabou com ele, sem colocar um substituto no lugar.
O resultado foi ele ser prorrogado, meio na marra, por uma lei que ninguém sabe se é constitucional.
Assim, ele vem atuando como que meio envergonhado, deixando muito a desejar, desde a forma com que seus membros vão sendo nomeados, como foi visto há pouco tempo, até não se reunir, e assim deixar de deliberar sobre a conversão do IDTR (Índice Diário da Taxa Referencial) para URV. Tal medida está prevista na lei que instituiu o atual plano econômico e que agora, dentro das normas de conversão que serão determinadas pelo governo, poderão significar perdas reais e expressivas para as seguradoras, que já não nadam em dinheiro.
O segundo componente que passa por problemas sérios é a Susep (Superintendência de Seguros Privados), que é a autarquia federal responsável pelo controle da atividade.
A Susep está com seu quadro de funcionários completamente destruído, não tendo gente nem para realizar as tarefas mais simples, quanto mais para fiscalizar ou intervir em companhias que passam por problemas graves, como é o caso de várias seguradoras.
Mais grave ainda é que o seu superintendente foi torpedeado por todos os lados, em função de atitudes firmes que tomou e que descontentaram gente importante, especialmente ligada ao Banco do Brasil, que pretende criar uma empresa de Previdência Privada, em conjunto com seus funcionários.
A empresa passaria a explorar o mercado atingido por suas agências, beneficiando estes funcionários e mais meia dúzia de seguradoras, como se eles fossem os donos do BB e o banco existisse para servir os seus interesses e não o país.
Como o Banco do Brasil é muito mais poderoso do que a humilde Susep, a queda de seu superintendente, largamente anunciada pela imprensa do Rio de Janeiro, se confirmou no final da semana passada, criando suspense no mercado, já que é tido por certo que a queda de Herbert Julio Nogueira está diretamente vinculada à tentativa do BB de criar mais um monstrengo semi-estatal, num momento em que o setor de seguros procura o caminho da modernidade.
Justamente por ter saído de evidência, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) –que é uma empresa que não tem sequer forma jurídica prevista na legislação brasileira e que explora um monopólio que desde 88 ele não tem– é seguramente o setor mais atacado pela falta de eficiência, que é a principal doença da atividade seguradora.
Com um rombo desconhecido, mas que pode passar de US$ 200 milhões, o IRB está paralisado, sem condições de entrar na modernidade e mantido em suspense pelos interesses mais desencontrados possíveis, começando pelo corporativismo de seus funcionários e acabando na posição das grandes seguradoras.
Tais empresas não têm interesse, hoje, no fim do monopólio de fato do resseguro, por ainda não estarem aparelhadas para enfrentarem o IRB nesta área extremamente específica e onde a especialização é indispensável.
Causa espanto o IRB se sujeitar a esta posição passiva, já que saindo na frente, teria todas as vantagens dentro de um mercado livre, onde a concorrência se baseasse em contratos internacionais (que só ele já tem) e onde a especialização, que ele também tem, é o grande diferencial de um segmento onde as margens de lucro são mínimas.
Este setor, ainda, atravessa a maior crise da sua história, o que dificulta ainda mais as possibilidades de associações entre as seguradoras brasileiras e as resseguradoras internacionais.
Quanto às seguradoras, que são o carro chefe de toda a atividade, a sua situação, no geral, nunca foi tão delicada como agora. Das praticamente 90 companhias que atuam no país, 48 tiveram um resultado industrial negativo acima de dez pontos percentuais de seu faturamento. Isto quer dizer que elas usaram o dinheiro dos acionistas para tapar prejuízos com o próprio negócio e, mesmo assim, várias delas não deram lucro algum.
Este desempenho pífio foi consequência de uma guerra de preços surda, principalmente nos seguros de automóveis e nos grandes riscos industriais, onde o "dumping" se tornou a mola mestra, com as condições de prêmio puro dadas pelo IRB chegando a ter descontos de até 40%, o que é uma verdadeira loucura.
Agora esta situação se agravou ainda mais, com a sinistralidade de roubo de automóveis explodindo em São Paulo e obrigando as seguradoras a aumentarem os seus preços, para fazer frente a prejuízos que estão se tornando insuportáveis.
Tais prejuízos já colocaram várias empresas, entre elas algumas de porte, em situação delicada, com as reservas técnicas muito abaixo do que a lei determina.
Nos próximos dias estará saindo o "Balanço do Mercado Segurador", publicado pela Editora de Manuais Técnicos de Seguros, com os dados referentes a 93, e que virá detalhar com mais exatidão a situação de cada seguradora em operação no Brasil, confirmando uma situação que está longe de ser boa, e que vai piorar de novo com a chegada do real e o fim do "floating" financeiro.
Finalmente, os corretores de seguros –que são a linha de frente de toda a atividade e que representam a melhor defesa para os segurados, obrigados a comprarem seguros num mercado complicado– mais uma vez estão seriamente ameaçados pela atuação de suas pseudolideranças que, na mais absoluta contramão, pretendem impor comissões mínimas ao invés de comissões máximas, impedindo que a concorrência, a racionalização e a eficiência profissional ajudem a derrubar os preços de uma conta que é paga pelo seu cliente, que é o segurado.
O que espanta é que algumas seguradoras sérias aderiram ao esquema e estão limitando os descontos de comissão, dados pelos corretores mais afinados com os novos tempos, que sabem que o seu futuro está na qualidade e no custo de seus serviços.
Não adianta tapar o sol com a peneira nem brincar de avestruz. A situação é grave e este artigo é uma pincelada de leve sobre o que está acontecendo.
Ou os problemas são atacados de frente ou muitos segurados, na hora que precisar de seu seguro, não vão receber absolutamente nada.

Texto Anterior: Bancos têm plantão para receber IR; Fiscais vão dificultar arrecadação federal; GM pede prisão de executivo da Volks;
Próximo Texto: Fibra em alta; Culpa do algodão; Há investimento; Com exclusividade; Esperando chamadas; Interesse por idiomas; Mercado ampliado; Negócio fechado; No Brasil; Unindo forças; Crescimento esperado; Em Cuba
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.