São Paulo, segunda-feira, 30 de maio de 1994
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TOM WAITS

MARK RICHARD
DA "SPIN"

Estou sentado no banco traseiro do Cadillac de Tom Waits. É um Sedan Deville dourado, ano 1964. O estofamento está esburacado e o chão está repleto de acessórios de super-heróis, livros de palavras sábias, cobertores de cavalos, comida. O cheiro é de crianças e gasolina. Waits deixou a tampa do tanque num posto na noite anterior.
Tom Waits está aqui, mixando as canções e a música que escreveu para "The Black Rider", uma ópera na qual colaborou com Robert Wilson e William S. Burroughs, que fez sucesso na Europa e em Nova York.
Tom Waits acende um cigarro e tenta explicar o paradoxo de exercer controle no meio do processo criativo.
"Controle é uma coisa que a gente tem que levar com cuidado", diz ele. "É como levar uma dúzia de galinhas ao parque e tentar obrigá-las a ficarem todas juntas. Você fica gritando `Ei, galinha, venha cá!'. Quando você finalmente consegue encurralá-las todas, elas morrem de calor e cansaço."
Os dedos grossos de Tom Waits conhecem o teclado muito bem, e ele tenta confundi-los. "Nossas mãos são como cachorros", diz ele. "Sempre voltam para os lugares onde já estiveram antes. Você tem que tomar cuidado quando deixa de tocar com a cabeça e toca só com os dedos, que sempre voltam para os lugares gostosos. Estou aprendendo a romper esses hábitos, tocando instrumentos dos quais não sei nada, como fagote ou `waterphone'."
O waterphone faz parte da coleção de instrumentos exóticos de Tom Waits. Parece duas formas de pizza soldadas juntas, com um pedaço de tubulação envolta em cordas e presa ao centro. Varas de aço de diferentes comprimentos estão presas aos lados. Quando se despeja água pela tubulação, e ela entra nas formas de pizza, bate-se nas varas de aço com um martelinho ou se passa um arco sobre elas, para obter sons que parecem ser de profundezas oceânicas ou de filmes de ficção científica.
"Pode tocar", diz Waits. "Para este instrumento não existem principiantes nem instrumentistas perfeitos. Adoro as partes na música onde você não bota teu ego para funcionar no processo. Você simplesmente dá a mão a teu instrumento e pronto.Às vezes a música gosta mais de você se você é inocente."
Já é quase meia-noite na Sound Factory (Fábrica do Som). Waits quer acrescentar uma trilha de guitarra à canção "Crossroads". Ele gosta do ambiente do hall que fica em frente ao estúdio, então Kloster e Dawes montam sua aparelhagem ali. Waits não consegue exatamente o som que procura desse arranjo, então Dawes pergunta se ele quer experimentar uma coisa chamada a distorção transitória de um efeito de microfone condensador sobrecarregado. Traduzindo, isso quer dizer que Waits vai tocar sua guitarra no hall, num velho amplificador Fender gravado nos minúsculos microfones de um amplificador estourado de 20 anos.
Dawes diz a Tom Waits que consegue ouvir a cadeira ranger quando Waits se mexe. Waits pergunta a ele como é o som. "Parece freios de ônibus", diz Dawes. Waits diz que tudo bem, ele vai se mexer no ritmo.
Um telefone toca numa sala vizinha, exatamente quando Waits acaba de fazer o vocal de "Shoot the Moon". Dawes estremece –dá para ouvir o telefone na mixagem. "Pode deixar aí", diz Waits. "A letra da música diz `Me chame!'."
Quando voltamos para sua casa, Waits fala sobre a tarde que passou com seus filhos e os cavalos deles.
"Hoje ouvi um mexicano que cuidava dos cavalos e o jeito que ele falava com os cavalos era tão bonito, tão musical, ele até moldava o corpo para conseguir o som certo."
"Sempre achei que na cultura mexicana as canções vivem no ar, a música é menos preciosa e mais misturada à vida do dia-a-dia", diz Waits. "Existe uma maneira de incorporar a música a nossas vidas que tem sentido: músicas de comemoração, músicas para ensinar coisas a crianças etc. Meus filhos cantam canções que eles mesmos inventaram e que eu já conheço de cor, porque fazem parte de nossa vida familiar. A gente tem que manter música em nossas vidas."

Tradução de Clara Allain.

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