São Paulo, segunda-feira, 30 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Centro-esquerda órfã

CÂNDIDO MENDES

Os tucanos arriscam-se a privar o país da chance de escolhermos entre "duas esquerdas"
CANDIDO MENDES
A convenção de Contagem (MG) levou ao paroxismo a angústia do PSDB, entre o compromisso histórico com a social democracia e o aliancismo que permitisse, realisticamente, ao partido ganhar as próximas eleições.
Tenso, FHC mesclava seu arraigado espírito democrático com a decisão imperiosamente assumida de ver o pacto com o PFL como um fato consumado.
Flexível, o partido não só abriu espaço para o debate das divergências programáticas, como fez questão do voto aberto para a definição do dilema. Dos 308 votos computáveis, só 57% do total concordaram com a aliança, o que mostra o limite da dúvida dos convencionais, expressa tanto pelos "contras" ostensivos como pela larga maioria das abstenções, não obstante a presença rutilante, no plenário, de tantos tucanos de proa, confiando na invisibilidade, à hora da chamada.
Quórum frágil, na medida em que FHC deu à manifestação o caráter de verdadeiro voto de confiança no candidato. Formulou à convenção o compromisso não só de ser o presidente, cabeça de chapa, mas o líder do programa, nas tratativas que viessem a definir para a campanha e a cara do PSDB.
Prometeu o discurso que tranquilizaria as bases, a mocidade em peso do partido, e tantas vozes da sua representação, preocupadas com os pontos cardiais da mensagem da social-democracia.
FHC declarou que é contra o "Estado mínimo", do coração e da crença do PFL. Mas –entende-se–, não levou a defesa do Estado forte à necessidade de manter-se, ou chegar-se aos monopólios.
Reiterou a preocupação primordial com o emprego, a escola, o alimento e a casa, frente à pregação de uma legenda que vê "o capital como o fator do progresso".
Por certo ouviremos ainda a repetição do princípio basilar do programa do PSDB, da defesa da propriedade "enquanto ligada a sua função social" como diz a Carta Magna –e que é vital para o perfilamento do partido, em questões tão essenciais como a reforma agrária e urbana, onde divergem o PSDB e o PFL.
A liderança do PSDB fez sua estréia em Contagem, como partido de massa, recebendo como baderna o grito da mocidade, embate de todas as legendas que não são mais partidecos de salão. Ciro Gomes não nos poupou dos safanões nas lideranças jovens do partido, candidatos a deputado federal e estadual, em várias regiões do país.
Surpreendeu o tom da voz do presidenciável como a referendar cartazes à sua volta "Que saudades do velho FHC". Entende-se a veemência e a indignação contida do candidato, certo, na sua dignidade e na sua fé, de como garantirá o ideário do PSDB, frente ao possível "beijo da morte" do PFL.
Os tucanos confiam no professor das liberdades da resistência democrática, mas sem esquecer o aviso, aos brados, do senador Dirceu Carneiro, cobrando o que não pode ser posto no papel do acordo programático, ou da mocidade nacional tucana, que tornou impossível o discurso de Guilherme Palmeira.
O sucesso da convenção transfere-se pois, todo, ao superprotagonismo de FHC, com autoridade da investidura que não pediu e com o comando que se lhe impôs, na força do presidencialismo, contra o qual votou no plebiscito.
FHC fala-nos com a convicção de quem encarna um dever público, com direito à carta branca, para definir os rumos da campanha e o que vê, estritamente, como as suas alianças táticas. Ou o ônus histórico de deixar vazia a liderança da centro-esquerda do país para a qual nasceu a social-democracia, que não quer saltar do muro para perder o futuro.
Sob a meia-máscara do PFL, os tucanos arriscam-se a privar o país desta oportunidade única para a mudança, de escolhermos entre "duas esquerdas", como ganhadoras mais prováveis das eleições de 94. Privamo-nos, no PSDB, do termo médio na gama das decisões políticas de quem quer virar a página, sem jogar o país nos braços do PT.
Os tucanos defendem como neopartido de massa uma esquerda diferenciada, ao lado dos socialismos de grife e dos fósseis do populismo. E nada pior para um governo de esquerda-esquerda, na hipótese de sua vitória, que começar como uma legenda hegemônica, somando a uma opção que transcende o PT, e até o próprio Lula, uma centro-esquerda órfã.
Na esteira da convenção, FHC prescinde do acordo programático pelo tático. Sem exigir ainda o que lhe cumpre, do PFL da tradição de Aureliano Chaves, sob pena de entregar-se aos cúmplices da absolvição escandalosa de Ricardo Fiuza.
Não precisa FHC aferrar-se aos resultados do plano ou a seu recado póstumo para o sucesso ou o sossobro. Sua mensagem vai muito além do ex-ministro da Fazenda, pela nitidez de uma opção contra o país do "tudo bem" ou do "deixa disso". E pelo que já sabe o povo e só tinha, por enquanto, Lula para entendê-lo. Pode ainda ouvir o Brasil do outro lado FHC, o intelectual exímio e o democrata, ainda paciente.

CANDIDO MENDES, 63, é secretário-geral da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, presidente do Conselho Superior de Ciências Sociais da Unesco e membro da Academia Brasileira de Letras.

Texto Anterior: Sinais dos tempos: políticos e imprensa
Próximo Texto: Candidatos-senadores; Greve nas universidades; A renda dos aposentados; Controle do Judiciário; Auxílios da Previdência; Lei descumprida; Aulas no Planalto; Processo contra a Folha
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.