São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 1994
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US3 quer popularizar o jazz entre jovens

CARLOS CALADO
DA REPORTAGEM LOCAL

O mundo do jazz está boquiaberto. A banda inglesa de jazz-rap US3 já vendeu quase 2 milhões de álbuns no mundo, sampleando temas clássicos do jazz dos anos 50 e 60 (leia quadro abaixo).
Bancada pelo veterano selo jazzístico Blue Note, a nova fusão do jazz com o rap e o hip-hop rendeu a essa gravadora seu maior sucesso em 55 anos de história.
Além de frequentar há mais de seis meses as paradas da Europa, Japão e EUA, o hit "Cantaloop" tem invadido comerciais de rádio, de TV e desfiles de moda.
No Brasil, depois de conquistar a MTV, o sucesso do US3 já faz parte até da trilha sonora da novela "74.5 - Uma Onda no Ar", exibida pela TV Manchete.
Exemplo mais popular da consolidação do jazz-rap como uma poderosa tendência musical para os próximos anos, o US3 desembarca no país em outubro. Junto com Digable Planets e Guru, vai comandar a primeira noite de jazz-rap do Free Jazz Festival.
Em entrevista à Folha, por telefone, de Londres, o líder do US3 e produtor britânico Mel Simpson falou de seus novos projetos e do potencial que o jazz-rap tem para popularizar novamente o jazz entre o público mais jovem.

Folha - Você sabia que, no Brasil, o US3 está tocando até na trilha de uma novela de TV?
Mel Simpson - Oh, não! É mesmo? Bem, é muito difícil controlar o que fazem com nossa música. Em alguns lugares, usam em anúncios de bebidas. Em outros, até para vender frango frito.
Nos EUA, ouvi tocarem "Cantaloop" em intervalos de partidas de basquete, em "talk shows" de TV, em desfiles de moda, nos mais variados lugares.
Folha - E o que você sente?
Simpson - Bem, não me importo muito, desde que esse uso não esteja ligado a algum objetivo político do qual eu discorde.
A coisa mais importante é que nossa música seja ouvida pelas pessoas comuns, que assim talvez possam se interessar também por comprar algum disco de Herbie Hancock ou Art Blakey. É ótimo que muita gente tome contato com boa música.
Folha - Vocês já gravaram o novo disco do US3?
Simpson - Ainda não. Começamos a trabalhar em algumas faixas, mas a gravadora ainda não está interessada nele. Só agora a Blue Note vai começar a promover o segundo single, porque "Cantaloop" está há seis meses nas paradas. Se recusa a morrer (risos).
Folha - Você sabe como andam as vendas?
Simpson - Não são informações recentes, mas há tempos soube que o álbum tinha passado de 1,6 milhão de cópias em todo o mundo. Agora já deve andar perto de 2 milhões. Isso é surpreendente para um disco da Blue Note. É o disco mais vendido nos 55 anos desse selo de jazz.
Folha - Deve ter sido uma surpresa até para vocês...
Simpson - Sim! Quando começamos a desenvolver essa idéia, nem pensávamos em gravar um hit. Queríamos apenas fazer algo excitante e divertido, porque adoramos jazz.
Quando o disco começou a fazer sucesso, primeiro no Japão e depois na Europa, ficamos espantados. Mais ainda quando estourou nos Estados Unidos...
Folha - Voltando ao novo disco, ele seguirá o mesmo conceito do primeiro?
Simpson - Ainda é cedo para dizer. Quando gravamos o primeiro, a idéia inicial mudou bastante graças à atuação dos músicos e dos rappers. Acho que isso pode acontecer de novo, porque agora temos uma banda nova, inclusive com um baterista. Teremos muito mais opções desta vez.
Além disso, somos parte de uma nova tendência musical, que está se desenvolvendo muito rapidamente. Essa onda está conquistando muita gente na Inglaterra, nos EUA, no Japão, em muitas partes do mundo. É natural que isso progrida mais. Mas não queremos pensar muito no álbum agora para que ele não fique defasado.
Folha - Como os jazzófilos mais puristas reagiram ao trabalho do US3? Devem ter ficado furiosos com vocês...
Simpson - Realmente esperávamos por isso, mas não aconteceu. Ou, se aconteceu, eles não gritaram alto a ponto de ouvirmos.
Talvez o fato de termos gravado pela Blue Note possa ter ajudado a mantê-los quietos. A Blue Note nos convidou segura de que tínhamos as intenções corretas. Nós também somos amantes do jazz e quisemos valorizar grandes clássicos do jazz da Blue Note.
Folha - Você ingressou na música como pianista erudito. Como se envolveu com o jazz?
Simpson - Meu primeiro contato com o jazz se deu quando alguém tocou para mim um disco do organista Jimmy Smith. Eu tinha uns 14 anos e isso realmente mudou a minha vida.
Percebi que existia outro tipo de música além da erudita. Eu não gostava de música pop naquela época, mas quando ouvi jazz fiquei fascinado. Aprendi a tocar órgão e tempos depois comecei a tocar jazz em clubes.
Folha - O que o jazz e o rap têm em comum?
Simpson - Ambos vêm das mesmas raízes. São gêneros de música bastante expressivos, crus e rítmicos. Os dois lidam com as mesmas emoções, como a raiva, a frustração, a violência e a paixão.
O rap é um tipo de poesia das ruas, um tipo de jazz falado. Se você olhar para trás e tentar determinar as raízes do rap, vai passar pelo funk até chegar no jazz.
Folha - Na noite do Free Jazz Festival, em que vocês vão se apresentar, também estarão Digable Planets e Guru. O que acha da música deles?
Simpson - Temos tocado juntos em vários lugares. Sou um grande admirador do Digable Planets. Aprecio as idéias deles. Quando eles lançaram o primeiro disco, não quisemos ouvi-lo, propositalmente, para não sermos influenciados no nosso. Porém, quando ouvi o álbum deles, fiquei um pouco desapontado. Acho que eles são muito melhores ao vivo.
Já Guru, como rapper, traz o jazz para sua música tocando com seus heróis –os músicos de jazz que ele admira. Somos diferentes de Guru e Digable Planets, em parte porque contamos com grandes melodias de clássicos do jazz em nossa música.
Queremos mostrar a todo mundo que o jazz também pode ser ouvido pelos jovens, que ele também tem muito o que dizer a alguém com 18 ou 19 anos.

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