São Paulo, terça-feira, 31 de maio de 1994
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Cultura russa renasce dos escombros

IRINEU FRANCO PERPETUO
DA REDAÇÃO

"Os Escombros e o Mito - A Cultura e o Fim da URSS" é o título ainda provisório do livro que está sendo escrito pelo ensaísta Boris Schnaiderman, 77.
A obra trata das descobertas sobre a cultura russa no período soviético que ocorreram após o início da glasnost (processo de reforma política da ex-URSS), com Mikhail Gorbatchov, em 85. Aborda também da produção cultural russa contemporânea.
As fontes utilizadas por Schnaiderman são as publicações russas editadas após o início da glasnost.
O ensaísta também se baseou no livro "La Parole Russe Ressuscitè - Dans Les Archivs Littéraires du KGB" (Editora Robert Laffont, Paris, 1993).
O autor deste trabalho, Vitali Chentalinski, foi vice-presidente da comissão que começou a investigar os arquivos literários do KGB (Comitê de Segurança do Estado –a polícia secreta dos tempos soviéticos), em 1988.
As descobertas da comissão, segundo Schnaiderman, propiciam uma nova visão sobre a produção cultural do período soviético.
Boris Schnaiderman, professor aposentado, tradutor, ensaísta e membro do Conselho Editorial da Revista USP, pretende concluir o trabalho até setembro deste ano.
Em entrevista concedida com exclusividade à Folha em seu apartamento, ele falou sobre seu livro e sobre as descobertas possibilitadas pela glasnost.
Folha - Quando surgiu a idéia de escrever o livro?
Boris Schnaiderman - Em 91, quando eu estava organizando um trabalho para a revista USP (nº 10 - Dossiê URSS Glasnost/Cultura). Eu fiquei surpreendido com os materiais que foram surgindo.
É impressionante como as pessoas nos anos de stalinismo (época em que a URSS foi dirigida por Iossif Stálin –de 1924 a 1953) arriscavam a vida para conservar documentos, manuscritos etc.
Folha - Conte algum caso.
Schnaiderman - Um caso que se tornou muito conhecido foi o do diário do escritor Mikhail Bulgákov. Houve uma busca em casa dele e levaram muitos materiais, mas Bulgákov não foi preso.
Depois disso, ele fez o possível para reaver esses materiais. Bulgákov era muito ligado ao escritor Maksim Górki, que tinha influência pessoal sobre Stálin.
Os documentos e os textos foram devolvidos. Mas Bulgákov já estava muito bravo e queimou tudo. No entanto, o KGB mandou datilografar esses textos e eles foram descobertos recentemente, e agora estão circulando em livro.
Folha - Mas outros textos desapareceram no KGB.
Schnaiderman - Há o caso do romance que o Isaac Bábel estaria escrevendo quando foi preso, cuja busca é o tema do romance "Vastas Emoções, Pensamentos Imperfeitos", de Rubem Fonseca.
A comissão encarregada de estudar os arquivos literários do KGB, porém, procurou e não encontrou nada.
Folha - Foi descoberto algum texto importante de Bábel?
Schnaiderman - Foi publicado na íntegra pela primeira vez o diário em que ele se baseou para escrever "Cavalaria Vermelha".
Folha - As descobertas se restringem à literatura?
Schnaiderman - Não, houve descobertas em outros campos, como na filosofia, por exemplo.
Folha - Qual o fato mais importante em relação às artes plásticas?
Schnaiderman - A delapidação do patrimônio cultural. Muitos museus do Ocidente se enriqueceram com obras de arte que saíram da Rússia.
Houve perdas com a Revolução, gente que levava de contrabando, mas o prejuízo maior foi com as vendas sistemáticas feitas pelo próprio governo soviético.
Folha - Houve perseguição na área da Ciência?
Schnaiderman - Houve perseguição pessoal. Decretaram que a genética era uma ciência reacionária e que as leis de Mendel (leis da hereditariedade, do cientista austríaco Gregor J. Mendel –1822-1884) estavam erradas.
E assim também na Física havia teorias que eram consideradas reacionárias. O físico Albert Einstein era atacado, sua teoria da relatividade não era aceita.
Folha - Como funcionava a censura ?
Schnaiderman - Não era prévia, como a censura no Brasil.
O mecanismo funcionava já na produção. Havia nas redações das revistas, jornais e nas editoras o "redáktor" (redator), que era responsável por todo o texto, incluindo o conteúdo ideológico. O "redáktor" era o censor na fonte.

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