São Paulo, quinta-feira, 2 de junho de 1994 |
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País sem-vergonha
CLÓVIS ROSSI SÃO PAULO – Os baixos da avenida Rubem Berta, onde ela deveria cruzar com a avenida José Maria Whitaker (Indianópolis, zona sul de São Paulo), sempre foram uma espécie de parábola do Brasil.No ano passado, um grupo de miseráveis começou a acampar por ali, encostando-se no muro de sustentação. No início era apenas uma família, que trouxera só a roupa do corpo e uma cartolina a título de cama. Depois, outros foram se agregando e apareceu até um sofá velho e semidestruído para compor uma sala de visitas surrealista. Um dia qualquer, a prefeitura removeu o pessoal todo e ergueu grades junto ao muro. Bem Brasil. A miséria não foi atacada ou sequer atenuada, mas os miseráveis foram desincrustrados do, digamos, patrimônio público e afastados de nossas delicadas vistas de burgueses. Assim tem sido secularmente. O grande problema brasileiro (a miséria) jamais é atacado frontalmente, enquanto o país perde um tempo infinito discutindo a periferia. Debate-se se é melhor privatizar ou estatizar, se é preciso estabilizar ou não, se é preciso ou não reformar a Constituição. Claro que tudo isso pode ser condição necessária para se começar a atacar o problema central. Mas não é condição suficiente. Resultado: nem se faz o necessário nem, muito menos, se começa a cuidar do suficiente. Consequência, conforme se pode, outra vez, comprovar pelo relatório das Nações Unidas divulgado anteontem: o Brasil, oitava ou nona potência industrial do mundo, é apenas o 63º país em matéria de indicadores sociais ou, se preferirem, qualidade de vida. A causa também está no relatório: o Brasil é campeão mundial de injustiça na distribuição de renda, item no qual só é menos perverso do que Botsuana. Na prática, deveria ser criada uma nova categoria de países. Há os países desenvolvidos, os países em desenvolvimento, os países do Quarto Mundo e deveria haver os países sem-vergonha, campeonato no qual o Brasil brilha há décadas, talvez séculos. Ou se desata esse nó ou a única indústria realmente próspera no Brasil será a de grades. Texto Anterior: Neocomunismo Próximo Texto: Lógica, procura-se viva ou morta Índice |
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