São Paulo, sábado, 4 de junho de 1994
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Nick Knight desmistifica fotógrafo-herói

EVA JOORY
DA REPORTAGEM LOCAL

Leia a seguir os principais trechos da entrevista com o fotógrafo Nick Knight. Ele detona a fotografia realista e sugere que Avedon está ultrapassado "é difícil para um homem de 70 anos perceber moda da mesma maneira que um de 20". (Eva Joory)

Folha - Você disse certa vez que a fotografia deve se interessar pelo futuro.
Knight - Acredito neste posicionamento. As pessoas em geral têm muito medo de olhar para o futuro, então tudo que é novo é mais difícil de passar do que o que é velho e mais conhecido. É mais difícil falar de coisas que não têm referências no passado. A fotografia tem um jeito único de tornar o passado mais atraente e isto pode ser perigoso. Pense numa foto de família, como é divertido olhar para ela. Ninguém se lembra das brigas que antecederam a foto. Não acho bom recriar o passado.
Folha - Como você vê o estrelato das top models?
Knight - Depende. Pode ser positivo, ou negativo. Este estrelato foi criado no fim dos anos 80, quando as pessoas não aguentavam mais ouvir falar nos estilistas, então trouxeram à tona as supermodels. É um dispositivo que serve para vender.
Folha - O que você exige das modelos?
Knight - Depende do trabalho. Eu as dirijo de maneiras diferentes, de acordo com o que estou fotografando –moda, cosméticos, revistas. Elas são como atrizes, precisam ser dirigidas. As vezes estão de mau humor...
Folha - Você dirigiu Amber Valetta no editorial sobre calças para a "Vogue" inglesa?
Knight - Sim. Ela precisava ser direcionada, a idéia era minha. Dependendo do trabalho, eu controlo tudo. A fotografia deve servir ao cliente. Durante os três anos que trabalhei com Jil Sander, suas vendas aumentaram 25 por cento.
Folha - O que achou da demissão de Isabella Rossellini? O fato alegado era de que ela já era velha. Acha que a fotografia está se tornando mais jovem?
Knight - É uma pergunta difícil, relacionada com Isabella e com marketing. Não me envolvo com isso. A fotografia é uma indústria e eu não questiono isso, não critico. Eu gosto de diversificar e testar minha capacidade.
Folha - Qual a sua modelo preferida?
Knight - Nadja Auermman no momento é a mais apropriada para o tipo de fotografia que quero fazer. Ela combina mais com um tipo de fotografia mais difícil, mais violenta e mais chique. Não é uma fotografia etérea, é mais gritante. É difícil não sentir raiva no mundo de hoje e esta raiva tem que sair de alguma maneira. Eu preciso de algo forte e vivo. Não me sinto nada romântico no momento (risos).
Folha - É difícil separar as idéias do fotógrafo e da direção de arte?
Knight - Acredito em trabalho de equipe. Não acho que o fotógrafo deva estar no topo da pirâmide, atitude que começou nos anos 60, com fotógrafos como David Bailey, construído para ser o fotógrafo-herói. O fotógrafo é tão bom quanto o time que o cerca.
Folha - Como vê as revistas "The Face" e "I-D", para as quais você trabalhou?
Knight - Acho que elas estão um pouco fora de época. Começamos nossas carreiras no mesmo período e as duas revistas tinham algo a provar, a dizer. E conseguiram dizer de uma maneira única e clara. Hoje não estou mais convencido que o que elas falam é necessário.
Folha - Os anos 90 impuseram uma imagem mais clean, diferente dos anos 80?
Knight - Você não pode julgar isso assim. Porque se algo melhor acontecer amanhã, tudo o que estamos fazendo parecerá sem sentido. Existem estilos diferentes nos anos 90 e nos 80. São opiniões. Algumas pessoas acham Steven Meisel o melhor fotógrafo, outras acham que é Patrick Demarchelier. Tudo isso é ok, não acredito que uma só opinião deva prevalecer.
Folha - Você acredita que a fotografia determina o look de uma era?
Knight - Ela reflete, é simbiótico. E de certa forma é uma maneira de se olhar para uma era. Ver uma fotografia de moda ajuda a sentir o clima da era. Por isso não digo que ela dita. Hoje somos todos sujeitos às mesmas influências, vemos o que acontece no mundo. Não somos mais tão diferentes, o mundo está menor.
Folha - De onde vem sua inspiração?
Knight - Pode vir de todos os lugares. Mas o melhor é seguir a sua energia. Se você quer ver uma certa imagem e não está vendo, então você cria. Eu desejo ver imagens coloridas de uma maneira específica, por isso crio. Se quero ver preto-e-branco, faço o mesmo. Estilistas também têm picos, a uma certa altura querem trabalhar as pantalonas, em outras querem ver o revival dos anos 60. Refletem um desejo global. Se você é um editor de revistas e se cansou do trabalho de um certo fotógrafo, vai expressar um desejo de todos e não vai ser o único a estar cheio do trabalho dele.
Folha - A moda tem este aspecto, de cansar rapidamente?
Knight - Sim. A fotografia de moda é a única profissão em que as pessoas não têm o direito de ter carreiras. Na moda, quando um fotógrafo é descoberto, logo se transforma em antiquado. Por isso a dificuldade de manter a carreira de fotógrafo de moda. Há pouquíssimos. Até os grandes fotógrafos, como Richard Avedon têm dificuldade. É difícil para um homem de 70 anos ver a moda da mesma maneira que um rapaz de 20. Sua visão de moda muda. É diferente o trabalho de um ator de quem as pessoas querem ver todos os trabalhos do que a de um fotógrafo. Quando já conhecem o trabalho, dizem: "Agora mostre-me outro fotógrafo".
Folha - Você já se cansou de ser fotógrafo?
Knight - Pedi para minha mulher me dizer quando achar que já não tenho mais talento para fotografia de moda. Até agora ela não se manifestou... Nada é mais triste do que ver um fotográfo achando que ainda pode fazer moda.
Folha - A fotografia tem que sempre manter um certo frescor. Isto é difícil?
Knight - Não. Fotografia é comunicação. Se você não se sente mais apaixonado pela vida, se você se torna cínico, então talvez mais nada há para ser dito. Se ao contrário, você está interessado em descobrir coisas novas, então você é uma pessoas fascinante para ser ouvida. Não é divertido ouvir coisas negativas.
Folha - O que acha de ser copiado?
Knight - No fim, não me importo. Acho chato, principalmente quando copiado por alguém que conheço. Se a foto é boa, é boa. Na verdade o que se copia é a técnica, não se copia mais nada.
Folha - Acha que a fotografia de moda foi revitalizada nos anos 90?
Knight - Acho que o boom da fotografia de moda foi no meio dos anos 80, quando se gastou muito dinheiro com moda. Esta época de criatividade caiu um pouco no final da década. Agora entramos novamente num período mais criativo, não com tanto dinheiro, mas com um desejo de renovação.
Folha - O que acha dos fotógrafos novos, como David Sims e Corinne Day, e o que acha da rapidez com que as idéias ficam velhas na moda?
Knight - Esta é a indústria da moda. É um jogo perigoso. Entre se quiser. David e Corinne são meus amigos e não quero falar sobre eles.
Folha - O que acha da fotografia realista ou naturalista que eles praticam?
Knight - Não colocaria este nome no trabalho de gente como David ou Corinne. Não há nada de realista na fotografia. Não existe realismo na fotografia. A câmera 35 mmm distorce a imagem que vemos e o jeito que vemos o mundo não tem nada a ver com fotografia. A fotografia congela uma sequência. Este hype é perigoso para jovens fotógrafos.

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