São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 1994
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Tarifas bancárias encarecem com real

GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os bancos vão repassar às suas tarifas os custos da distribuição do real, a nova moeda que começa a circular em 1º de julho.
Em entrevista à Folha, o diretor de administração do Banco Central, Carlos Eduardo Tavares, disse que, com o Real, ficarão mais caros serviços como o fornecimento de extratos e talões de cheques.
Carlos Eduardo, ou Dudu, como é conhecido, coordena os trabalhos para a troca da moeda. Ele conta que o real começará a ser distribuído aos bancos no dia 13 de junho.
Dudu avisa aos ladrões: "Eu faço questão que saibam que haverá proteção do Exército para nem tentarem nada". O dinheiro será transportado de avião, de caminhão e até de barco.
As regras definitivas para a troca da moeda nacional saem até o final desta semana.
O prazo para a troca será de 1º a 15 de julho, na rede bancária, ou de 16 a 31 de julho nas dez delegacias regionais do BC. Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Folha – Não vai ser difícil, principalmente para pessoas de menor escolaridade, entender a transformação do cruzeiro em real?
Carlos Eduardo Tavares – A mudança da moeda vai ser mais complicada que um corte de três zeros. Você vai dividir seus cruzeiros por um número que não é 1.000. Em contrapartida, as regras estão sendo anunciadas com antecedência. Preparamos folhetos e vamos distribuir milhões deles.
Folha – Não vão achar que é outro corte de zeros?
Tavares – Não acredito tanto na ingenuidade do nosso povo. Esta semana eu contratei um pedreiro para uma reforma na minha sala. Ele disse: "Ô doutor, é 180 URV (sic)". Quando ele me cobrou, uma semana depois, sabia a cotação exata da URV. A URV ter antecedido o real facilitou muito o entendimento das pessoas.
Folha – O valor em cruzeiros do real pode ser arredondado para facilitar a conversão?
Tavares – Nós pensamos nisso e eu cheguei a fazer algumas simulações. O que seria um valor redondo? CR$ 2.800, por exemplo. A cédula de CR$ 500 valeria R$ 0,17, e a de CR$ 5 mil, R$ 1,78. Eu fiz um estudo com uma série de valores possíveis e vai haver complicação de qualquer jeito.
Folha – O sr. também está dizendo que o valor em reais obtido não vai ser arredondado. Para onde vão as sobras e de quanto elas serão?
Tavares – Essas sobras vão para o Tesouro Nacional e daí podemos doar para a campanha do Betinho (campanha contra a fome, do sociólogo Herbert de Souza). Não dá muita coisa. No último corte de zeros, foram cerca de US$ 6.000. Não faz falta ao governo mas é uma boa para o Betinho.
Folha – Durante o mês de junho haverá um processo, inédito no país, de distribuição do real a todas as regiões. A confusão vai ser grande?
Tavares – Não estamos antevendo uma confusão muito grande, por causa da antecedência. No dia 13 começaremos a distribuir aos bancos as moedas metálicas. No dia 20 distribuiremos as cédulas. Nomeamos um número grande de bancos como custodiantes do BC para receberem o real com antecedência e criamos horários especiais de atendimento ao público.
Folha – Quem mora em locais afastados da Amazônia, por exemplo, em local onde não há banco, como recebe o real?
Tavares – Esse lugar que não tem banco, hoje já chega dinheiro lá de alguma maneira. O real vai chegar da mesma forma. Essa pessoa vai ter mais trabalho que um residente em Ipanema (RJ)? Inegavelmente vai. Mas isso independe de haver uma troca da moeda.
Folha – Como o Exército participa dessa distribuição?
Tavares – Eles tanto vão acompanhar as operações de transporte de cédulas como dar proteção aos prédios do BC. O envolvimento do Exército começa no dia 13, na distribuição das moedas. Não posso informar como eles vão agir, porque o assunto é sigiloso. Faço questão que os ladrões saibam que haverá proteção do Exército para nem tentarem nada.
Folha – O Banco Central está se espelhando na experiência de algum outro país, em operação semelhante?
Tavares – Não usamos nenhum modelo porque temos uma caracterísitica muito nossa, que é o tamanho do Brasil. É um continente e é um país de Terceiro Mundo. Vai ter real chegando de barco, caminhão, avião, todos os meios de transporte.
Folha – Por arcarem com grande parte dos custos da distribuição, os bancos não vão repassar os gastos às tarifas?
Tavares – Hoje em dia, quando se fala que vão começar a cobrar tarifas, parece que é uma coisa não cobrada antes. Isso não é verdadeiro. Na verdade, o banco cobra menos tarifa porque ele ganha dinheiro do cliente de outra maneira. O banco fica dois ou três dias com esse dinheiro e ganha na aplicação.
Folha – Com a queda da inflação essa receita dos bancos vai ser transformada em tarifa?
Tavares – É evidente que o banco vai repassar isso às tarifas. Vai ficar mais explicitado o que se paga por um talão de cheque, uma ordem de pagamento, uma porção de serviços prestados pelos bancos. O banco não é uma instituição de caridade. O BC só gosta de bancos que dêem lucros. Banco sem lucro dá intervenção do BC, dá problema para a população.
Folha – O Banco Central vai controlar de alguma forma as tarifas?
Tavares – Em um regime de livre concorrência, não adianta um banco sair cobrando tarifa lá nas alturas, porque o vizinho dele vai levar seus clientes. O sistema bancário é competitivo mas é uma coisa que o BC monitora.
Folha – Durante o período de troca as lojas serão obrigadas a aceitar cruzeiros reais?
Tavares – Quanto menos regras, melhor. Nas outras trocas de moeda, a sociedade tem agido com muito bom senso, fazendo o processo naturalmente. O cruzeiro real vai continuar sendo utilizado nesse período. Não se pode pretender que no dia 1º todo mundo tenha real no bolso e troco para o real.
Folha – Quando saem as regras oficiais para a troca?
Tavares – Deve ser na semana que vem (esta semana). O prazo para a troca será de 1º a 15 de julho, na rede bancária, e de 16 a 31 de julho junto ao BC. Em meados de agosto queimaremos o último cruzeiro real.
Folha – É verdade que nos últimos dias de troca de moeda os mendigos fazem fila no BC?
Tavares – Não tenho dúvida nenhuma que isso vai acontecer, acontece sempre. No Rio, para onde viajo muito, isso é normal no final do prazo para a troca de alguma cédula.

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