São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Encontro com Paquitas gerou nova canção

SÉRGIO MALBERGIER
DE LONDRES

As Paquitas da Xuxa foram fundamentais para a última composição de Caetano Veloso. Ele estava num estúdio do Rio para gravar uma canção para um projeto argentino de defesa dos direitos humanos.

Folha - Como aconteceu o encontro?
Caetano - Quando estava dentro do estúdio, sentado no chão com uma caneta na mão, me veio à cabeça uma idéia e um tema que gosto muito, sobre a pobreza.
Pensei que não ia conseguir fazer uma canção sobre um tema do qual gosto muito.
Neste momento entraram as Paquitas, que gravavam com a Xuxa em um estúdio ao lado. Todas as oito. Foi uma coisa tão excitante.
Fiquei dando autógrafo a todas elas e perguntando os nomes e elas em torno de mim, muito bonitinhas, todas loirinhas, um sonho. Fiquei tão excitado que fiz a música em cinco minutos.
Folha - Inspirado pelas paquitas?
Caetano - Elas não me inspiraram, me excitaram a fazer a música.
Folha - Que música saiu?
Caetano - É sobre a pobreza. É uma reflexão sobre o fato de que hoje em dia é muito frequente se falar que a pobreza é tanta, mas esqueceu-se parece completamente que a pobreza é santa.
É uma canção sobre a idéia de que hoje em dia da pobreza só se pensa uma coisa, que ela é um tipo de vergonha. Eu acho isso inaceitável.
Eu cresci aprendendo outras coisas e tenho certeza que há outros valores e que a capacidade dos povos de criar riqueza material é louvável e deve ser perseguida.
Mas não pode e nem deve ser o único critério de julgamento e valoração. Aliás o exemplo mais emocionante na humanidade sobre isso é a história do povo judeu.
Folha - Por quê?
Caetano - É um povo que tem uma marca na história da humanidade tanto quanto os maiores.
E no entanto não é um povo que tenha sabido, no momento em que trouxe a sua mensagem definitiva, criar riqueza material.
Folha - E como você vê essa riqueza não material no Brasil?
Caetano - O Brasil deveria se esforçar para criar riqueza material e sobretudo para superar a imbecilidade da distribuição da riqueza que o Brasil já soube criar.
Mas não deve ser julgado só por isso. E ultimamente os editoriais de jornais, os artigos, as conversas, os livros mais inteligentes parecem ter como pano de fundo a certeza de que tudo deve ser julgado do ponto de vista da capacidade de se criar riqueza material. Isto é uma inversão absoluta dos valores.
Folha - Isto não pode significar que o único valor que ficou foi este, depois de outros valores terem sido desacreditados?
Caetano - Não é verdade. Isto é uma superstição que está em voga num ambiente da inteligência mediana que campeia em jornais e certos livros. Não acho que isso represente as verdadeiras forças que se movem no mundo e dentro das pessoas.
O problema é que a defesa dos valores espirituais tem trazido horrores para a humanidade, enquanto o egoísmo materialista tem nos trazido elevação espiritual. Há uma contradição.
O que não quero é admitir que minha inteligência esteja submetida a esta superstição de que a geração de riqueza é o valor último. (Sérgio Malbergier)

Texto Anterior: Palmeira; Bic; Xis; Camafeu
Próximo Texto: Novo disco evita fórmula do comercialismo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.