São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 1994
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Soprano brasileira triunfa em montagem vienense de Hindemith

LUÍS ANTÔNIO GIRON
ENVIADO ESPECIAL A VIENA

"Coêl-ho! Coêl-ho! Coêl-ho!"
Os gritos da platéia da Ópera de Viena, uma das mais importantes casas do gênero, se dirigiam na última sexta-feira a uma soprano brasileira: Eliane Coelho (pronuncia-se por aqui coêl-ho). É capixaba, tem 45 anos, a voz poderosa e presença de palco.
A cantora protagonizou a estréia de uma nova montagem da ópera "Cardillac", do compositor alemão Paul Hindemith (1895- 1963) e do escritor francês Ferdinand Lion (1883-1965).
O regente é Ulf Schirmer, consultor musical da Ópera de Viena. O enenador italiano Marco Arturo Marelli cuidou da direação cênica e dos figurinos. A ópera tem como estrelas, além de Coelho (a Dama), o barítono Franz Grunheber (como o ourives cruel Cardillac) e a soprano polonesa Adrianne Pieczonka (a Filha).
"Cardillac" fica em cartaz até dia 23 deste mês, revezando com outras produções. É uma das óperas banidas pelos nazistas como "degeneradas". A nova versão é a primeira a ter lugar na Ópera de Viena em 66 anos. Em março de 1927, quando foi apresentada ali com regência de Fritz Busch, angariou vaias pela ousadia da linguagem harmônica e do tema não-germânico. Na sexta, recebeu aplausos pelos mesmos motivos.
Há uma onda na Europa de retomar óperas esquecidas do período entre guerras. Os nazistas se encarregaram de enterrar carreiras de compositores talentosos, como Hindemith, que teve de fugir e emigrar para os EUA depois de "Matias, o Pintor" (1934).
Hindemith não agradava os rapazes da suástica porque gostava de temas cosmopolitas e de polifonias dissonantes. "Cardillac", sua quarta ópera (em quinze), é um perfil da irracionalidade da turba.
A obra de Hindemith vive um "revival". Está sendo retomada em palco e em discos. A coleção "Entartete Musik', lançada pela gravadora Decca, está gravando toda a "hindemithiana". O compositor foi um dos primeiros a utilizar jazz em obras eruditas.
"Cardillac" tem sabor jazzístico e uma trama parecida com um conto policial. A inspiração declarada de Lion foi o estilo fantástico do escritor E.T.A. Hoffmann.
Em Paris, no século 17, o ourives Cardillac assassina todo aquele que compra seus trabalhos, famosos pela fatura. No início goza de grande pupularidade. O coro o venera. No final, morre linchado pelo coro enfurecido ao perceber que ele era o assassino.
Dama, vivida por Eliane Coelho, quer obter um trabalho de Cardillac por meios pouco recomendáveis. Propõe ao oficial trocar uma peça do ourives por favores sexuais. Morre.
Coelho surge trajada como uma princesa de peruca loira. É gordinha e simpática. FAz ouro jorrar pela boca. Soprano dramático, sabe dosar o vibrato e possui segurança de profissional de primeiro time. Põe a Orquestra Filarmônica de Viena a seus pés.
Poucas cantoras líricas brasileiras chegaram aonde ela foi. Bidu Sayão e Constantina Araújo a antecederam, uma na cena norte-americana e a outra na italiana.
Coelho é a primeira brasileira a se destacar na cena germânica. No próximo dia 26, ela canta "O Crepúsculo dos Deuses" (Goetterdaemmerung), do alemão Richard Wagner. Também é a primeira brasileira a chegar até as complexidades de Wagner, com regência de Peter Schneider.
No final do último ano, Coelho dividiu a cena com o tenor espanhol Plácido Domingo. Há um mês, estrelou "Salomé', de Richard Strauss.
O jornalista LUÍS ANTÔNIO GIRON viaja à Áustria a convite da agência Austríaca de Turismo e da Lufthansa.

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