São Paulo, quinta-feira, 9 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Scorsese vê herói destroçado

CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR-ADJUNTO DA "ILUSTRADA"

"Touro Indomável", filme de 1979 do diretor Martin Scorsese, pode ser considerado uma resposta à patriotada que Sylvester Stallone encarnou dois anos antes em "Rocky, um Lutador".
Jake la Motta, o herói boxeador de Scorsese, é o contrário de Rocky. Campeão do individualismo a qualquer preço, Jake se submete ao seu instinto de vencer. Mas não há vitórias em sua vida, apenas provas, sacrifícios.
Scorsese recusa as cores vivas, o vermelho sanguíneo e o azul celeste que aureolavam Stallone. "Touro Indomável" faz a aposta num realismo mais brutal, distante da fantasia heróica da América. A visão desiludida do sonho americano ganha o necessário contraste com a fotografia em preto-e-branco de Michael Chappman.
"Touro Indomável" acompanha a trajetória do próprio Jake la Motta, boxeador mítico, desde suas primeiras vitórias, em 1941, até a decadência como dono de um nightclub nos anos 60. Seu casamento malogrado (onde estará Cathy Moriarty, a boa e bela atriz que fez o papel de sua mulher?) e seu rompimento com o irmão e empresário (o ótimo Joe Pesci de "Os Bons Companheiros").
Tomando por base uma história real, o filme de Scorsese se desenvolve em torno do mecanismo da veracidade. O interesse do filme na época concentrou-se na prova a que o ator Robert de Niro se submeteu para encarnar o personagem de la Motta. Assimilando a decadência física do boxeador, de Niro chegou a engordar 30 quilos durante as filmagens, o que lhe valeu um Oscar justificado.
Scorsese explora a disposição de seu ator-fetiche, filmando seu corpo como um monumento que vai sendo abalado pelo tempo e por afetos descontrolados. A montagem –também premiada com um Oscar– faz das cenas de lutas uma sucessão de imagens de corpos destroçados.
O aspecto sacrificial da trajetória de la Motta explica-se pela consonância da obra de Scorsese com os temas da moral cristã, cujo cume foi a versão que o diretor fez da paixão em "A Última Tentação de Cristo". O sofrimento, a culpa e a punição são os preços pagos pelos indivíduos isolados que se crêem portadores exclusivos da verdade, ou de uma verdade.
A violência, na visão de Scorsese e de outros diretores ítalo-americanos recentes, como Abel Ferrara e Quentin Tarantino, parece ser a linguagem pela qual a verdade é capaz de vingar. Em Scorsese, isto se traduz em beleza.

Lançamento: Touro Indomável
Direção: Martin Scorsese
Elenco: Robert de Niro, Joe Pesci, Cathy Moriarty
Distribuição: Tocantins/Concorde (tel. 021/857-7553)

Texto Anterior: A beleza precisa servir ao homem
Próximo Texto: Blitz volta em turnê sem Fernanda Abreu
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.