São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 1994
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Ansiedade

O ressurgimento do ágio no mercado de dólar paralelo é sintoma de alguma incerteza. Suas razões, entretanto, parecem difusas.
O Plano Real é sem dúvida a mais transparente entre todas as iniciativas de estabilização já tentadas no Brasil. Trata-se de uma qualidade devida ao prévio anúncio das medidas e à eleição do mercado como principal árbitro dos preços na passagem para a nova moeda.
O fulcro de confiabilidade do plano, entretanto, não está simplesmente em sua transparência, mas em sua lógica interna. Afinal, de nada serviria discutir em público uma proposta, afirmar e reafirmar, por exemplo, que não haverá congelamento, se a arquitetura das medidas levasse a pensar o contrário.
É justamente esse fato que torna intrigantes os atuais movimentos especulativos. A lógica mesma do plano e a situação concreta da economia do país não levam a crer na necessidade ou conveniência de ações abruptas do governo no 1º de julho ou às suas vésperas.
As reservas internacionais estão em nível recorde, o superávit comercial é de mais de US$ 10 bilhões ao ano e os altos juros reais esperados para os próximos meses são um fator de atração de capitais. Nessas condições, mesmo que durante algum tempo a taxa de câmbio não acompanhe a inflação, não há por que prever fortes constrangimentos no balanço de pagamentos no médio prazo –mesmo porque, há ainda outras medidas compensatórias que podem ser aplicadas.
Ademais, uma desvalorização da moeda na entrada do real teria um efeito inflacionário, já que nos dias seguintes os agentes econômicos tenderiam a elevar seus preços para recompor, pelo menos parcialmente, seu valor em dólares.
Não se pode, evidentente, dar garantias sobre o futuro. Nem descartar totalmente a ocorrência de alguma surpresa, ainda que infundada ou de razão questionável.
De todo esse cenário, entretanto, tem-se a impressão de que a agitação dos ânimos, que provavelmente persistirá até a entrada do real, deve-se mais à natural ansiedade da mudança do que a uma previsível alteração nos desígnios do governo. Afinal, seria muito estranho passar seis meses construindo a credibilidade da nova moeda para então aplicar-lhe um duro golpe às vésperas da estabilização.

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