São Paulo, sábado, 11 de junho de 1994
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Começa na Cultura ciclo de neo-realismo

DA REDAÇÃO

Filme: Ladrões de Bicicletas
Produção: Itália, 1948, 90 min.
Direção: Vittorio De Sica
Canal: hoje, às 22h30, na Cultura

Filme: Alemanha, Ano Zero
Produção: Itália, 1948, 70 min.
Direção: Roberto Rossellini
Canal: amanhã, às 23h30, na Cultura

O neo-realismo ainda hoje é um mistério: todo mundo fala dele, mas ninguém sabe exatamente o que é. Pior: quanto mais se fala, parece que se conhece menos.
Talvez isso se deva ao fato de que quase todos os filmes de Roberto Rossellini tenham sumido do mercado. Por isso, o ciclo que a Cultura inaugura neste fim-de-semana tem um significado especial.
São nada menos do que quatro filmes de Rossellini: "Paisá" (1947), "O Amor" (1948) e "Roma, Cidade Aberta" (1945) juntam-se a "Alemanha, Ano Zero", que passa amanhã.
"Ladrões de Bicicletas", de Vittorio de Sica, e "Alemanha, Ano Zero" interessam tanto pelo que têm em comum como pelo que os diferencia. Ambos são filmados fora de estúdio, com atores amadores e a preocupação central de estabelecer o cinema como arte de captação da realidade.
"Alemanha" mostra a Berlim do imediato pós-guerra. A situação é ainda pior. O jovem Edmund tem de ajudar no sustento da família, o que o leva ao mercado negro e a atos ainda menos sustentáveis.
O forte, em De Sica, é a afetividade que imprime às imagens e que levaram o filme a ser acusado, não raro, de lacrimoso. De Sica apela aos sentimentos do espectador, de fato, o que não impede seu filme de possuir um valor documental seguro.
A acusação feita ao cinema de Rossellini é o exato inverso: ele é acusado de frieza, de recusar qualquer espécie de pacto com o espectador. Não lhe "diz" nada, não o induz a qualquer tipo de julgamento sobre o que está vendo.
O neo-realismo de Rossellini é o que hoje se chamaria de xiita. Não admite concessões ao "espetáculo". Não acredita na montagem, que considera "o momento do embuste e da má fé". Prefere filmar planos longos e deixar o juízo das situações para o espectador.
Rossellini (1906-1977) sequer acreditava na existência de uma escola neo-realista. Achava que isso era uma maneira da "sociedade do espetáculo" enquadrar um fenômeno desagradável para ela: transformá-lo em moda, assumi-lo como um movimento artístico.
Não acreditava, sequer, na originalidade, que para ele "acarreta o absurdo, isto é, o sem sentido e a recusa do real".
Mas, engana-se quem pensar que essa postura radical do diretor católico significava algum tipo de passadismo. Ao contrário. Enquanto De Sica, nos anos 50, evoluiu para o cinema de espetáculo, Rossellini passou a produzir para a televisão (após recusar convites de Hollywood).
Essa força de convicção levou Rossellini a ocupar um lugar central no cinema moderno. O fato de ser contra a originalidade não o impediu de criar um sistema de produção novo e de pôr em circulação idéias que mudaram inteiramente o cinema mundial.
Rossellini não foi apenas um cineasta. Foi, de longe, o maior pensador do cinema sonoro. O que não impede "Alemanha, Ano Zero" de ser, à parte um documento sobre a destruição física e moral da Alemanha, um filme de uma beleza absoluta.

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