São Paulo, domingo, 12 de junho de 1994
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Donos se escondem em testas-de-ferro

ELVIRA LOBATO
DA REPORTAGEM LOCAL

O uso de testas-de-ferro (pessoas que cedem o nome para outro que não quer aparecer) é comum no setor. A reportagem da Folha detectou vários exemplos de emissoras registradas em nome de pessoas desconhecidas nas respectivas empresas.
No Maranhão, há indícios de que a família do ex-presidente José Sarney controle mais emissoras do que as quatro rádios e uma TV registradas em seu nome.
A TV Itapicuru, de Santa Inês (afiliada da Globo) está registrada em nome de Jurandy de Castro Leite, mas seu endereço é o mesmo da TV Mirante (Av Ana Jansen, 200 - São Luis), pertencente aos três filhos do ex-presidente: Roseana, José Sarney Filho e Fernando Sarney.
Na listagem da Rede Globo com o nome de suas afiliadas, esta emissora é identificada como TV Mirante.
Pela listagem do Ministério das Comunicações, há uma emissora em Imperatriz (canal 10, afiliada da Globo) registrada em nome de Juarez de Castro Leite, que também é identificada na listagem da Globo como TV Mirante.
A reportagem da Folha telefonou para a empresa, em Imperatriz, e o diretor Luiz Brasília confirmou que a emissora pertence à família Sarney.
Questionado sobre a função de Juarez de Castro Leite (o acionista responsável, segundo os registros do Ministério), ele respondeu: "Esse nome nunca pousou na minha mesa".
Mais três rádios (Pedreiras-FM, Vale do Mearim-FM e Litoral Maranhense-FM) estão registradas em nome de terceiros com o mesmo endereço da TV da família Sarney.
Em novembro do ano passado, Fernando Sarney negou que as empresas pertencessem à sua família.
Em Rondônia, o engenheiro Rômulo Villar Furtado, que foi secretário executivo do Ministério das Comunicações durante 16 anos (1974-90) é o suposto proprietário da rede "Rondovisão".
No cadastro do Ministério, ele só aparece como sócio de uma TV no Estado do Rio de Janeiro (TV Cabo Frio - canal 8), em sociedade com o deputado federal Arolde de Oliveira (PFL-RJ) e com o ex-presidente da Embratel (1985-88) Cleofas de Medeiros Uchoa.
Cleofas Uchoa aparece, por outro lado, como sócio de duas emissoras de rádio em Rondônia ( Rádio Fronteira (FM), de Porto Velho e Rádio Clube FM, da cidade de Vilhena), mas afirma que não possui nenhuma emissora no Estado. Segundo ele, as rádios pertencem a Villar Furtado.
Cleofas usa o seguinte raciocínio para explicar sua situação: "Desde que eu atenda aos pré-requisitos exigidos pelo Ministério, comprove capacidade financeira e idoneidade, não importa se o dono de fato sou eu".
Em São Paulo, o ex-governador e candidato à Presidência da República Orestes Quércia (PMDB) tem três rádios registradas em seu nome: duas em Campinas e uma na cidade de São Paulo.
Além disso, tem a posse efetiva de duas TVs (Princesa D'Oeste, em Campinas, e TV do Povo, em Santos) e de mais uma rádio em Sorocaba (Rádio Robatos).
As duas TVs e a rádio de Sorocaba estão registradas em nome de outras pessoas, que assinaram contratos particulares de promessa de venda das emissoras e procurações para que executivos indicados por Orestes Quércia as administrem.
O deputado federal Jorge Maluly Netto (PFL-SP) afirma que o Código Brasileiro de Telecomunicações não é cumprido.
O deputado presidiu, no ano passado, a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, responsável pelos projetos relativos às comunicações.
Ele também conhece o setor como empresário: no cadastro do Ministério, há seis emissoras de rádio e uma TV (Araçatuba - canal 6, afiliada do SBT) em nome da família Maluly.
Segundo o deputado, é generalizado o uso de testas-de-ferro no mercado, o que faz com que o cadastro do Ministério seja irreal.
Para ele, parte dos problemas se deve à falta de estrutura do poder Executivo, no caso, do Ministério das Comunicações.
Maluly Netto e familiares aparecem no cadastro como sócios das seguintes emissoras: Sistema Araçá de Comunicação (Araçatuba, canal 6) e rádios Adamantina (FM), Andradina (FM), Araçatuba (FM), Mirandólis (OM), São Carlos (OM), Taubaté (FM), em São Paulo e rádio Três Lagoas (FM), no Mato Grosso do Sul.
Ele disse que desconhecia a emissora do Mato Grosso do Sul, que vendeu há mais de três anos a rádio de Araçatuba e que os seus filhos só aparecem como sócios na rádio de São Carlos a pedido de um ex-prefeito que queria impressionar o ministro no momento da análise do pedido de concessão.
Disse que já vendeu também a rádio de Taubaté, mas que figura como um dos proprietários porque um dos sócios morreu, e a transferência só poderá ser feita depois de concluído o inventário.

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