São Paulo, domingo, 12 de junho de 1994
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Juro não precisa subir mais, diz banqueiro

JOSÉ ROBERTO CAMPOS; RODNEY VERGILI
EDITOR DE ECONOMIA

RODNEY VERGILI
O dono do sétimo maior banco privado brasileiro, o Econômico, Angelo Calmon de Sá, 56, acredita que o Plano Real tem mais chances que os outros de emplacar. O ex-ministro da Indústria e Comércio do governo Geisel não vê possibilidades da inflação ressurgir com força. O governo tem enormes reservas cambiais, fez uma fase preparatória competente e obteve um precário e razoável equilíbrio fiscal.
O banqueiro criticou a obsessão de se manter juros elevados para combater a inflação. Acha que as taxas atuais já são altas e não precisam subir mais na implantação do real. Os principais trechos da entrevista concedida à Folha:

Folha - Vai haver explosão de consumo com o real?
Calmon de Sá - Não. Eu acho que vai haver alguma migração para o consumo. Haverá um ganho real, o assalariado de baixa renda vai sentir seu salário mais forte. Ele vai comprar mais comida e bens de consumo de baixo valor. Ela vai ser o grande beneficiário, porque hoje não há proteção para seu dinheiro. Além disso, a história dos planos ensina que esse negócio de preço estável dura pouco, então há a tendência de consumo. O crédito reaparecerá com força. O sujeito vai começar a ver que a prestação cabe dentro do salário dele, que é uma prestação fixa. São estas três forças que vão fazer o consumo aumentar e se pode agregar a elas uma quarta, as safras que vamos colher.
Folha – O consumo aumenta logo na entrada do plano?
Calmon de Sá – O passado mostra que o pico do consumo não é imediato. Ele sempre se dá quando as pessoas começam a achar, principalmente as de renda mais alta, que o plano não vai durar muito. É um mês e meio, dois meses depois. Aí o sujeito começa assim: olha, é melhor comprar porque pode ser que acabe essa moleza...
Folha – Como fica a inflação na largada do real?
Calmon de Sá – Há um universo de preços básicos que vão ficar seguros durante um tempo razoável. O dólar vai ficar estável no mínimo 90 dias, até por seis meses. Ninguém vai mexer nele em cima da eleição e o Itamar não vai querer fazer isto na hora de sair. A não ser que exista uma razão mais forte, como uma inflação maior do que o previsto. Os salários só serão reajustados anualmente, nos dissídios. Só haverá dissídios importantes lá para setembro. Os contratos, por lei, não podem ser mexidos antes de um ano. O governo não pode mexer nas tarifas públicas. Tudo isto não deixa muito à vontade o sujeito que quiser subir preços.
Folha – Os juros vão para a lua no real?
Calmon de Sá – Sempre fui contrário ao uso prolongado de juros reais elevados. É legítimo que um Banco Central ao ver um perigo na economia use uma taxa de juros que seja uma loucura. Por um período curto de tempo, até consertar a situação e matar uma expectativa. Nenhum instrumento é tão poderoso quanto o juro. No momento em que anunciaram o plano, ele foi elevado de 1.8% para 2.7% ao mês e o governo tinha que fazer isto. Passados 30 dias, se eu fosse o governo, estaria vendendo papéis a l.8%.
Folha – Qual sua estimativa para os juros?
Calmon de Sá - A taxa de juro neste momento já é muito alta. Não vejo necessidade dela ser maior em julho.
Folha – O equilíbrio fiscal não é um ponto frágil?
Calmon de Sá – É precário, mas existe, em função do Fundo Social. Nos pontos básicos, na área cambial, na área fiscal, não há nada por fazer. Você tem uma posição confortável, o que para mim é uma das coisas que faz este plano ter mais chance de sucesso. Qual plano cuidou antes de fazer algum equilíbrio fiscal? Nenhum.
Folha – A inflação de julho ou a de agosto é a decisiva para o plano?
Calmon de Sá – Tendo a achar que é mais preocupante uma inflação maior no segundo mês. É melhor que ela dê 5% no primeiro mês e 3% no segundo, do que 2% em julho e 5% em agosto. A tendência é muito importante.
Folha - Um ganho menor na poupança vai provocar fuga dos aplicadores?
Calmon de Sá - O que nós constatamos em todos os planos é que o pequeno poupador não saca. Dizem que ele não entende de contas, que ele vê sua renda cair e tira o dinheiro. O pequeno nunca sacou em plano nenhum. Ele sabe qual é o salário dele, ele vai comparar e ver que o que houve com o salário foi a mesma coisa que aconteceu com a poupança.
Folha – Os bancos estão preparados para o plano?
Calmon de Sá - O grande ajuste do setor já foi feito. Outros ajustes acontecerão, muito mais no redirecionamento de pessoas dentro da organização do que qualquer outra coisa.
Folha - Vai haver demissões?
Calmon de Sá - Não vai haver, não vai mesmo. E nem fechamentos de agências no setor privado.
Folha - O Econômico já tem novos produtos na gaveta?
Calmon de Sá -Nosso grande foco é o cliente do varejo. Estamos procurando desenvolver produtos que, agora mais do que nunca, tem de ter custos muito baixos para poder ser viável. Você vai ter que fazer um CDB simplificado, de valor menor, que o cara faz de uma forma mais rápida. Com a estabilidade a competição vai ser mais forte e o sistema vai evoluir muito na qualidade dos seus serviços.
Folha – O crediário explode?
Calmon de Sá –O aumento do volume de crédito direto ao consumidor, com a estabilização, é inacreditável. Aconteceu no México, Peru, Argentina. No Chile foi uma loucura.
Folha - O sr. teme uma vitória de Lula?
Calmon de Sá – Há muita gente apreensiva. A dificuldade que o Lula vai enfrentar é que ele não tem uma posição coerente em assunto nenhum, porque o partido dele não está coeso. Minha avaliação é a seguinte: este plano é a última chance que a sociedade brasileira tem de estabilizar a sua economia, sem ser submetida a traumas profundos. Como dizia o presidente Tancredo: não há instrumento mais poderoso na promoção da injustiça social do que a inflação. A injustiça social no Brasil está aumentando. Nós temos mecanismos de indexação, que fazem com que uma parcela da população fique protegida da inflação e a outra, coitada, que é a maior parte, sem nenhuma proteção. Não posso entender que um candidato, que é operário, de um partido que se diz operário, não tenha no seu programa como prioridade absoluta o combate à inflação. Ele tem que resolver o problema, que está matando esses 65 milhões que ele quer defender. Leia o programa dele. O que é que eles vão fazer para combater a inflação? Nada.

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