São Paulo, domingo, 12 de junho de 1994
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Cassirer esboça teoria da natureza humana

ALBERTO ALONSO MUNÕZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Cassier esboça teoria da natureza humana
ALBERTO ALONSO MUNOZ
Não são poucos os trabalhos filosóficos deste século que procuram sintetizar os resultados recentes das ciências humanas. Em nossos dias, contudo, ninguém mais se arriscaria a uma tentativa asim. É a esse projeto ousado que se dedica Ernest Cassier em ‘‘Ensaio Sobre o Homem - Introdução a uma filosofia da cultura humana’’, uma das grandes obras do século 20 que procuraram apresentar um esboço de unidade para os produtos dos diversos campos da cultura.
‘‘Ensaio Sobre o Homem’’, publicado em 1994, procura ser ao mesmo tempo um resumo e uma versão atualizada’’ de uma outra obra, a ‘‘Filosofia das Formas Simbólicas’’, escrita 25 anos antes e provavelmente o principal trabalho de Cassier. Na primeira parte, ‘‘O que é Homem?’’, Cassier apresenta o esboço de uma teoria da natureza humana.
A nova unidade da natureza humana não poderá mais ser encontrada numa ‘‘essência’’ ou numa ‘‘substância’’ metafísica. Ela será antes uma função simbólica ou ‘‘faculdade de criar símbolos ’’ que se exprime no sistema duas atividades humanas. O homem se distinguiria do restante do reino animal ao deixar de responder mecanicamente a estímulos e ao produzir uma camada de símbolos que o separa do real e o torna independente do ambiente a seu redor.
Por fim, essa faculdade (de que a razão sertia uma forma particular) deverá abarcar o conjunto das atividade humanas tradicionalmente tidas por irracionais, como a produção mítica ou a linguagem poética. A função simbólica identifica-se, assim, à capacidade de delimitar ou abstrair qualidades gerais a partir da experiência: ela permite o surgimento de noções abstratas de espaço ou de tempo, o advento de idéias como a de possível (por oposição ao real) ou, enfim, de idéias éticos ou utopias políticas.
Na segunda parte, ‘‘O Homem e a Cultura’’, Cassier examina cada uma das espécies de produtos culturais que resultam dessa ‘‘função simbólica’’: a produção mítica e religiosa, duscutindo boa parte da antropologia da primeira metade do século (de Frazer a Malinowski, de Durkheim a Lévy-Bruhl); a linguagem retomando alguns resultados da linguística estrutural; a arte, a história e, finalmente, a ciência . Em todos estes campos Cssier identifica a presença constante de uma tensão: de um lado, a tendência à manutenção de padrões (estéticos, sociais, limguísticos, etc), de outro, um movimento no sentido da produção de inovações que rompem com a normatividade tradicional. Residiria justamente nesta tensão a regra que dá unidade aos diversos produtos culturais, para além de sua multiplicidade e sua dispersão.É certo que, para o gosto de nossos dias, a obra de Cassier soa um pouco aultrapassada. Não há, contudo, como não admirar a erudição e a clareza de seu trabalho, rico em sugestões e antecipações dos trabalhos de autores posteriores, como Merleau-Ponty ou mesmo Foucault. Nem já clássico, e não mais contemporâneo, nem por isso merece o esquecimento.

ALBERTO ALONSO MUNOZ é doutorado em filosofia pela USP, colaborador de pesquisa do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e professor do departamento de filosofia da UFPR (Universidade Federal do Paraná)

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