São Paulo, domingo, 12 de junho de 1994
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Ministro defende investimentos

MARCELO LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Para Israel Vargas, 66, ministro da Ciência e Tecnologia, é falso o dilema entre investir em sistemas de ponta, como supercomputadores, ou atender antes os depauperados laboratórios brasileiros. "Tudo é prioritário. Você não vai também resolver os problemas básicos sem os sistemas avançados", afirma o ministro.
Como exemplo, Vargas cita a capacidade de prever o fenômeno climático conhecido como El Niño. Em 1983, a seca que ele provocou no Nordeste destruiu 90% da safra do Ceará.
Dez anos depois, ela pôde ser prevista. Foram perdidos ainda 50%, mas semeou-se uma superfície três vezes maior.
Esse é o tipo de ganho social que Vargas espera de investimentos do porte dos US$ 17 milhões pagos pelo supercomputador NEC do Centro de Previsão do Tempo e do Clima do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.
Na carência de recursos orçamentários, o Ministério da Ciência e da Tecnologia teve de se socorrer com verbas oriundas da privatização para levar à frente o plano de dotar o Brasil de seis centros de computação de alto desempenho.
Outra meta é exportar, até o ano 2000, 1% do software (programas de computador) consumido no mundo. Hoje, esta conta daria US$ 2 bilhões anuais. Para chegar lá, o governo vai investir US$ 70 milhões em três anos.
"A produção da informática brasileira é de US$ 12 bilhões. Apenas 15% está na área de software, o que é muito pouco."
Leia trechos da entrevista feita por telefone em 24 de maio:

Folha - O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) tem uma política coordenada para supercomputação?
Israel Vargas - Tem. Ela é coordenada pelo MCT e traduzida num plano da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) de investimento nessa área. São recursos provenientes do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Como houve no governo Collor e no início deste dificuldades financeiras grandes, destinamos recursos da privatização para atender esta área.
O primeiro projeto é na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que tem um supercomputador Cray interligado com a RNP (Rede Nacional de Pesquisas). O segundo é o da Unicamp, inaugurado há três semanas. O terceiro, um pouco antes, é o da Universidade Federal do Ceará. O quarto é o da USP.
Dois projetos estão ainda em análise na Finep. Um é o da Coppe (Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia, do Rio), aliás o maior usuário, hoje, do supercomputador do Rio Grande do Sul.
O outro é o LNCC (Laboratório Nacional de Computação Científica), do Rio, que já dispõe de cerca de US$ 20 milhões de equipamentos doados, ainda não entregues.
Folha - Como surgiu o plano?
Vargas - Isso faz parte do programa do MCT e da política de informática que resultou da nova legislação. Ela previu o investimento em pesquisa e desenvolvimento.
A Lei 8.428 prevê que as empresas que invistam mais de 5% de seu faturamento bruto em pesquisa e desenvolvimento –dos quais dois quintos devem ser investidos em parcerias com universidades e centros de pesquisa– podem ter abatimento de 50% do imposto devido e isenção do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
A outra perna do programa é o desenvolvimento do setor de software. Hoje a produção da informática brasileira é de US$ 12 bilhões. Apenas 15% está na área de software, o que é muito pouco.
O projeto Software 2000 envolve 14 cidades brasileiras, com participação das universidades locais, do Estado e do Município, com a finalidade de gerar software para exportação. Esperamos chegar no ano 2000 a 1% do mercado mundial atual de software, o que dá algo da ordem de US$ 2 bilhões.
Folha - Qual é o orçamento desses projetos?
Vargas - Uns US$ 20 milhões, até o final deste ano, de recursos provenientes da privatização. Anteriormente, só o supercomputador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) custou US$ 20 milhões (na realidade, foram cerca de US$ 17 milhões). O Cray custou outro tanto.
Para esse programa Software 2000, o total para três anos é de US$ 70 milhões.
Folha - E o hardware (computador propriamente dito)?
Vargas - Temos cinco projetos de pesquisa e desenvolvimento de computação de alto desempenho: Coppe, USP, Unicamp, Inpe e CTI (Centro Tecnológico de Informática). Hardware e software, porque nessa área de computação paralela (um tipo de arquitetura de supercomputador; leia explicação na pág. ao lado) o hardware é relativamente menos complexo. O software é que é complicado. Vamos precisar aprofundar a cooperação internacional.
Folha - Em um seminário recente do MCT em São Paulo, insistiu-se na necessidade de identificar nichos tecnológicos em que o Brasil pode tornar-se competitivo, internacionalmente. Para quais desses setores a supercomputação é fundamental?
Vargas - Para todos os setores, em geral. Veja o sistema geral de administração. Grandes sistemas brasileiros estão gritando por racionalização e informatização. Por exemplo, Saúde, um imenso sistema que está aí, solto, que não está interligado, é mal administrado e gera grande desperdício.
Uma área muito importante é a de projeto, em setores como aeronáutica, mecânica de precisão.
Outro exemplo é o Cptec (Centro de Previsão do Tempo e do Clima), do Inpe, que vai mudar completamente o panorama da meteorologia brasileira. Vamos saltar de um grau de segurança de 60% na previsão em 24 horas para 60% em cinco dias, seis dias. Isto terá um enorme impacto na agricultura, nas áreas urbanas, na área de entretenimento.
Esta é uma das coisas que eu aprendi nos Estados Unidos. Um dos maiores clientes da previsão meteorológica lá é o sistema Disney, porque no fim-de-semana que vai chover você reduz o estoque de refrigerante, sanduíche, o número de empregados terceirizados. Isso gerava para eles qualquer coisa como US$ 200 milhões de economia por ano.
Folha - Boa parte dos laboratórios do país funciona de forma precária, por falta de recursos para os insumos mais básicos. Neste panorama, faz sentido investir dezenas de milhões de dólares em supercomputadores?
Vargas - Este é o problema de todo país em desenvolvimento. Tudo é prioritário. Você não vai também resolver os problemas básicos sem os sistemas avançados.
Considere o fenômeno conhecido como El Ni¤o (aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico, na época do Natal, associado com secas no Nordeste).
Em 1983, 90% da safra do Ceará foi perdida. No ano passado, o fenômeno ocorreu, houve uma seca tão grave quanto a de 1983, mas foi prevista. Perdeu-se 50% da safra, mas plantou-se três vezes mais, porque foi possível programar a época do plantio.
O Cptec vai fazer não só a previsão do tempo, meteorológica, como também do clima. Esta ele vai fazer com três meses de antecedência: qual vai ser a temperatura média, a pluviosidade média.
Vou dar também um exemplo relacionado com os US$ 150 milhões que estamos gastando no desenvolvimento de um satélite de sensoriamento remoto com a China. O retorno do investimento em satélites, seja de comunicações ou de sensoriamento, é da ordem de 1:7, 1:8. O satélite sino-brasileiro deve dar US$ 1 bilhão para os dois países, durante sua vida útil.
Folha - O Brasil demorou para conseguir supercomputadores por causa de um veto estratégico do governo dos EUA. Como foi superada essa barreira?
Vargas - Não foi só com o Brasil. Para qualquer país, nessa área de transferência de tecnologia, de compra de um supercomputador, há sempre o compromisso de não-utilização com fins de desenvolvimento de armas de destruição em massa. E nós aceitamos, porque o Brasil não tem nenhum programa desse tipo, não é verdade?
É bom ter supercomputador, se você olhar para ele como um meio e não um fim, mas também seria muito interessante se fôssemos capazes de desenvolver supercomputação de forma independente.
Folha - Este seria o melhor dos mundos.
Vargas - Agora, essas restrições a países como Índia, China etc. –são países de regiões com conflitos. Desde 1860 o Brasil não entra em guerra com vizinhos. Não há hipótese de o Brasil ter interesse em desenvolvimento militar. Para quê? Além de inútil, seria burro.
Folha - O computador do Inpe é de origem japonesa. O governo norte-americano tem alcance sobre isso?
Vargas - Sim, pois existe um acordo do Grupo dos Sete (G-7, os sete países mais ricos). Tanto no que diz respeito aos mísseis, o tal regime de controle de tecnologia de mísseis, quanto na área nuclear.
Nós não só fizemos uma declaração pública de que estamos de acordo com esse regime, por causa de nosso programa espacial, como também assumimos um compromisso com o regime de transferência de materiais e de tecnologia para terceiros que não permite proliferação de armas de destruição de massa.
Terceiro, nós assinamos e o Congresso ratificou o tratado de desnuclearização da América Latina e o acordo quadripartite entre Brasil, Argentina, a agência de inspeção mútua e a Agência Internacional de Energia Atômica de Viena.

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