São Paulo, domingo, 12 de junho de 1994
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Greve na USP - negociação ou imposição

ADIB D. JATENE

Mais uma vez agita-se a USP (Universidade de São Paulo) em uma greve por melhoria dos salários. Greve é, sem dúvida, direito constitucional, e por isso, deve ser admitida e respeitada.
Alguns aspectos é que são polêmicos, como, por exemplo, o bloqueio de acesso aos que, diante de compromissos inadiáveis e que poderiam até prejudicar os grevistas, precisam trabalhar.
Uma universidade como a USP tem mil problemas que dependem de prazos, tanto em nível nacional como internacional, que devem ser cumpridos.
A greve é, sempre, um problema conjuntural que pretende pressionar para agilizar negociações, para conquistar benefícios a curto prazo, e não para causar prejuízos a longo prazo.
A negociação, aliás, é outro ponto polêmico. Considero equivocada a postura "não negocio em greve, saiam da greve e aí vamos negociar".
Funcionários, empregados em geral nada têm para negociar. Por outro lado, patrões, dirigentes de instituições, governo, enfim, pessoas que decidem sobre aplicação de recursos e detêm o poder de decisão sobre prioridades têm o que oferecer ou negar.
Sempre entendi a greve como a formação de um "patrimônio" a ser oferecido na negociação. O ideal seria que esta pudesse ser feita antes, o que tornaria qualquer greve desnecessária.
Sobram exemplos de empresas e de instituições que há anos não enfrentam greve. Em clima de compreensão, analisam os diferentes aspectos envolvidos e atendem o interesse das partes, criando sadio clima de entendimento, que satisfaz tudo o que for legítimo, mas não dispensa a necessidade de legitimar.
A greve da USP foi deflagrada porque as seis entidades de docentes e funcionários das três universidades pretendiam índices de aumento real bem acima dos propostos pelo Cruesp (Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas).
As demonstrações financeiras confirmavam que estava havendo a correção conforme os índices da inflação. O que se buscava era a correção de perdas passadas. Com o nível de inflação do país, isto é perfeitamente compreensível.
O Cruesp oferecia, de ganho real, 6,2% que, depois, passou a 8% e as entidades pleiteavam 57%, depois modificado para 27% mais 10%.
O início da greve pareceu-me forma de pressão para ativar as negociações.
A atitude do professor Flávio Fava de Moraes, reitor da USP, foi exemplar.
Diante do bloqueio inicial de ingresso à reitoria, passou a despachar em outro local, adiou reunião do Conselho Universitário, informou aos diretores de unidades as conversações havidas e promoveu reunião com os diretores, onde vários aspectos foram analisados em conjunto. Alguns diretores sugeriram a negociação, mesmo na greve, para evitar o impasse.
O Cruesp decidiu pelo reatamento das negociações. Na reunião do Conselho Universitário, realizada no último dia 31, o posicionamento de todos aprovando a atitude do Cruesp trouxe uma sensação de que se caminhava para o entendimento, com a consequente suspensão da greve, diante da reabertura das negociações.
Há uma diferença importante entre negociação e imposição.
Negociar implica analisar os dados disponíveis, recursos, destinações eventuais, revisão de prioridades etc.
É preciso considerar que as três universidades têm 9% do ICMS. Pode-se discutir e, até, conseguir o aumento desta alíquota.
Para tanto, deve ser demonstrado ao governo que esta parcela representa perda real para as universidades ao longo do tempo e, a partir daí, Cruesp, direção das universidades, docentes, funcionários e alunos lutarem para conquistar o aumento, já apresentado, segundo consta, à Assembléia Legislativa, pelo deputado Jamil Murad.
Este assunto, embora na pauta da negociação, não pode ser colocado como condição indispensável a qualquer acordo que venha a ser feito em relação à greve, mesmo porque o poder de decisão final não nos pertence.
O simples fato de pleitearmos aumento da parcela de participação do ICMS significa que consideramos a parcela atual insuficiente para atender às reivindicações motivadoras da greve.
Não conheço o teor da negociação em curso, mas, surpreendido pela invasão da reitoria –sem dúvida uma violência–, imagino que se chegou à conclusão da inviabilidade do atendimento da reivindicação das entidades.
Ninguém discute a justeza da reivindicação. O que é necessário saber é se existe, no orçamento das unidades, recursos para atendê-la.
A invasão da reitoria da USP, por si, interrompe a negociação e aposta na imposição para conseguir seus objetivos.
Negociar, repito, incorpora convencer, colocar argumentos, demonstrar a existência de formas até então não equacionadas para atender a reivindicação.
Impor é desconhecer qualquer argumento que não seja o atendimento da reivindicação independente de qualquer outra consideração.
É a volta do autoritarismo ao contrário, quando os que reivindicam exigem, sabendo, pela negociação, que não há como atendê-los. Tentar pela imposição é negar a negociação, cuja solicitação poderia até ser interpretada como pretexto, esperando que não fosse aceita.
Aceita a negociação, se o encaminhamento dos estudos aparentemente não os favoreceu, partem para o impasse difícil de saber a quem irá beneficiar.
Só espero que a razão volte a imperar e que, em ambiente universitário, se use mais a razão e menos a força e que a mobilização seja esclarecedora, e não promotora de atos como a ocupação da reitoria, que só serviu para interromper as negociações.

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