São Paulo, segunda-feira, 13 de junho de 1994 |
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Industrializados também ferem direitos
ABNOR GONDIM Agência Folha – A OEA estava enfraquecida em 1984, quando o senhor assumiu, por causa da guerra das Malvinas entre Inglaterra e Argentina e a invasão de Granada pelos Estados Unidos?João Clemente Baena Soares – No caso da Guerra das Malvinas, a OEA não esteve omissa. Agência Folha – Mas a carta da OEA prega a união dos países em defesa do continente e se coloca contra intervenções militares estrangeiras em seus países membros. Baena – Se houve perda de substância, não foi da OEA mas sim do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, que aponta também na direção da defesa do continente. A invasão de Granada não foi decidida pela organização. Foi decidida por um grupo de países membros da OEA. É difícil olhar o passado com os olhos do presente. Hoje, a OEA tem instrumentos atualizados para responder a situações novas, como no caso do Haiti. Agência Folha – As intervenções militares dos Estados Unidos no Panamá e Granada violaram a carta da OEA, que prega o não-intervencionismo? Baena – A carta da OEA não foi invocada nesses episódios. Foram decisões unilaterais dos Estados Unidos. Agência Folha - O senhor não vê como uma espécie de intervencionismo a presença de tropas americanas na Bolívia e no Peru para combater o narcotráfico? Baena – Isso cabe a uma decisão interna de cada país. Se os governos da Bolívia e do Peru aceitam, estabelecem acordos e admitem a presença de forças estrangeiras, então, esse é o direito soberano que esses países têm. É um assunto que não está no contexto da OEA. Não foi decisão da OEA. Com relação ao combate ao narcotráfico, a OEA definiu estratégias para atingir o bolso dos traficantes, impedindo que eles lavem o dinheiro sujo nos países participantes. Agência Folha – Não é contraditório repudiar a ditadura no Haiti e defender que o governo não-democrático de Fidel Castro, de Cuba, volte a participar da OEA? Baena – O que eu quero é uma reavaliação da decisão tomada há 30 anos. Eu não posso antecipar a decisão dos países. O que eu acho é o seguinte: Cuba é um país deste hemisfério e a OEA é um organismo regional deste hemisfério. Mas seu governo foi excluído por atentar contra a soberania de outro país. No caso, a reclamação veio da Venezuela, que identificou atos de violência inspirados e até apoiados pelo governo cubano. Agência Folha – Mas o Haiti, apesar de ser uma ditadura, participa da OEA? Baena – Todos os 34 países que participam da OEA têm governos democráticos. O Haiti é um caso à parte, porque as únicas autoridades reconhecidas pela comunidade internacional são aquelas eleitas legitimamente. Os militares que tomaram o poder no Haiti, em 91, e violam os direitos humanos são resultado de uma ilegalidade. O presidente Jean-Bertrand Aristide foi eleito por 67% dos votos e depois foi derrubado por uma associação entre setores empresariais e militares. É preciso atacar as raízes do golpe. Agência Folha – E o que a OEA faz quando um governo democrático suspende os direitos individuais, como ocorreu no Peru? Baena – A reação da OEA foi imediata. O resultado foi alcançado em um prazo relativamente curto, com a vinda do presidente do Peru a uma reunião dos chanceleres, há dois anos. O presidente do Peru, Alberto Fujimore, modificou seu plano, incluindo consulta popular, por meio de eleições, para formar um congresso constituinte. Na Guatemala não houve eleição, mas a substituição do presidente pelo vice. Foi uma solução institucional. Agência Folha – Como o senhor encara a atual situação do respeito aos direitos humanos no Brasil? Caetano Veloso e Gilberto Gil gravaram a música "Haiti", cujo refrão diz que "o Haiti é aqui". Baena – Uma expressão semelhante, mas com outra intenção, foi criada pelo meu enviado especial ao Haiti, Dante Caputo. Ele disse que o Haiti somos todos nós. O Haiti somos todos nós no sentido de preservação da democracia, do respeito que os povos merecem. A colocação de Caetano e Gil é um pouco diferente. Mas aponta para a mesma direção. Esses problemas podem ser mais enfáticos em alguns países. Mas atingem também os países industrializados. Sempre rejeito a posição, inclusive de nossos próprios concidadãos, de que o problema de violação dos direitos humanos é específicamente nosso. Agência Folha - É um problema universal? Baena – Todos os países industrializados têm um grau maior ou menor de violação de direitos humanos. Basta olhar para a Europa e verificar a xenofobia e as agressões contra estrangeiros. Nós precisamos deixar esse enfoque de autoflagelação. Existem situações difíceis, no que se refere a direitos humanos. O problema é que não há reações para corrigí-las. Nós não estamos em um mundo ideal. Haverá sempre em qualquer parte atos que contrariem a convenção americana de direitos humanos. E a prevalência do processo democrático em nosso país, como dizem os membros da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, não diminuiu o número de queixas. Ao contrário, aumentou. Por uma razão evidente: as pessoas não têm mais medo de levar seus casos à comissão, como tinham em situações passadas. Agência Folha – A tendênc`ia é aumentar as denúncias de violação de direitos humanos? Baena – Isso não é para assustar ninguém. Eu digo sempre que nós devemos insistir para que os países aceitem o vínculo jurídico obrigatório com os textos internacionais de proteção aos direitos humanos. Nem todos os países-membros da OEA, por exemplo, participam na Convenção Americana de Direitos Humanos. Em Belém, o Brasil assinou o protocolo adicional à convenção dos direitos humanos para a proibição da pena de morte. É muito fácil falar quando não se tem a obrigação jurídica de cumprir um texto internacional que foi acordado pelos países. Texto Anterior: Industrializados também ferem direitos Próximo Texto: EUA é contra Cuba na OEA Índice |
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