São Paulo, segunda-feira, 13 de junho de 1994
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Anos 80, década perdida para educação

ANTÔNIO BIAS BUENO GUILLON

Em recente conferência promovida pelo Banco Pactual, no Rio, para uma platéia formada principalmente por ex-alunos da Universidade de Chicago, Gary Becker, Prêmio Nobel de Economia, alertou: "se o Brasil quer ocupar o papel de destaque que lhe cabe entre as nações desenvolvidas, tem de se preocupar intensamente com gastos em educação, deixando de negligenciar os segmentos mais pobres da população".
Becker lamentou o fato de não ter, segundo ele, enfatizado suficientemente em seus livros e artigos, escritos ao longo de sua vida acadêmica, a importância da educação e de sua interligação com a economia.
"Só investimentos em capitais físicos não levam a nada. Estes devem ser promovidos de forma conjugada com os investimentos em recursos humanos, na força de trabalho", reforçou o economista ao lembrar que o desenvolvimento de mais de cem países ao longo da década de 60 deveu-se a esse binômio.
Todas as nações hoje desenvolvidas fizeram um esforço educacional tremendo. Europa e Estados Unidos são exemplos marcantes. A Revolução Educacional Meiji no Japão, no longínquo 1860, eliminou o analfabetismo no país.
Aliás, o Japão e mais recentemente a Coréia do Sul, que se tornaram uma obsessão para o mundo capitalista, têm seus êxitos fundados nos sistemas educacionais que priorizaram, em primeiro lugar, o ensino básico.
O paradigma produtivo do mundo mudou. O Brasil, com riqueza de matéria-prima e mão-de-obra barata, conseguiu ser a oitava economia do mundo. Mas, este modelo é insuficiente para aumentar a inserção do país à moderna economia mundial. Mão-de-obra barata e desqualificada está valendo cada vez menos.
Os ensaios produzidos pelo pesquisador Ib Teixeira, publicados recentemente pela revista "Conjuntura Econômica" da Fundação Getúlio Vargas, são incontestáveis: cerca de 10 milhões de crianças brasileiras, às vésperas do ano 2.000, ainda não têm acesso à escola primária (quadro Colapso do ensino básico no Brasil).
O fato é que o Brasil está ficando para trás, pois não consegue criar condições objetivas para o ingresso do país, o que equivale a dizer, de seu povo, no clube das nações desenvolvidas.
Em primeiro lugar, é incontestável que o desinteresse dos nossos governantes pela educação básica vem da longa ausência de um projeto nacional, em que os cidadãos adquiram, na escola fundamental, os requisitos para desfrutarem dos direitos e cumprirem as obrigações da democracia política e econômica.
Em segundo lugar, gasta-se uma fortuna com a universidade pública em flagrante detrimento do ensino básico. Os investimentos públicos se dirigem, prioritariamente, para esfera superior, que tem maior poder de reivindicação. A falta de decisão política resulta numa escola primária pública órfã e sem qualidade.
Assim é: a escola primária, que abriga cerca de 11,3 milhões de crianças cujas famílias recebem entre um quarto e um salário mínimo, recebe apenas um um terço dos recursos públicos. Em contrapartida, dois terços das dotações federais são destinadas às universidades públicas federais, nas quais estudam 300 mil alunos, em sua maioria, oriundos das classes mais privilegiadas da sociedade brasileira.
Não deixa de ser curioso que muitos dos que denunciam a falta de justiça na distribuição de renda do Brasil são os maiores defensores da universidade pública gratuita –um modelo educacional altamente concentrador de renda.
Alguns dados da universidade pública gratuita merecem ser analisados, particularizando-se as condições socioeconômicas do aluno frequentador da universidade pública (quadro Perfil socioeconômico do aluno).
Em terceiro lugar é espantoso constatar que os gastos com educação no Brasil, analisados em relação do PIB "per capita", não diferem muito do que investem Coréia, Formosa ou Hungria. A eficiência de nossos alunos, entretanto, é quilometricamente inferior.
Isso mostra que, no Brasil, os recursos destinados à educação são antes mal gerenciados que insuficientes. Não basta, pois, o simples aumento da massa de recursos investidos no setor educacional que resultarão em muito pouco quanto à eficiência da educação (quadro Eficiência da universidade pública).
Nossa universidade pública apresenta uma das menores relações entre professores e alunos –um professor para cada seis alunos em média. Há casos onde a relação se inverte, com três docentes para cada aluno. É conhecido o dado que, no ensino público do Brasil, de cada CR$ 100 aplicados na educação, apenas CR$ 52 chegam de fato à sala de aula.
Dessas constatações derivam-se algumas questões fundamentais. Como repartir os escassos recursos do Estado à educação básica e superior? Já que universidade pública gratuita tende a selecionar uma elite, quem paga a conta? Como instituir mecanismos para modernizar as relações entre o Estado gestor, a escola pública, a escola privada e a sociedade civil?
A política precisa estabelecer um quadro das competências para que os vários atores econômicos e sociais possam mobilizar seus recursos e esforços para a construção de um novo modelo educacional. Essa é a única maneira de se resolverem os problemas de financiamento do ensino, pois o orçamento público não consegue mais pagar essa conta.
A experiência mundial, coerente com a queda das ideologias comunistas e a supremacia do liberalismo econômico, tem indicado o caminho da oferta de ensino a todos e, ao mesmo tempo, selecionar uma elite. Essa é a equação que precisa ser armada no Brasil, rapidamente, sob o risco de o país perder o bonde (ou o trem bala) rumo ao século 21.

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