São Paulo, terça-feira, 14 de junho de 1994
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O café politicamente correto

CARLOS HENRIQUE JORGE BRANDO

Todos os concorrentes do Brasil no mercado internacional de café arábica, com exceção parcial da Etiópia, produzem os chamados cafés lavados ou despolpados, que requerem grande quantidade de água em seu tratamento pós-colheita.
Os sistemas convencionais de processamento de cafés lavados consomem e poluem 40 ou mais litros de água para cada quilo de café comercializável. Estas águas residuais têm carga poluidora entre 30 e 40 vezes maior do que a dos esgotos domésticos.
Os danos causados por este processo altamente poluente são visíveis em todas as áreas produtoras de café lavado. Durante a colheita, seus cursos d'água adquirem cor escura e odor desagradável característico e têm grandes quantidades de sólidos em suspensão.
Em algumas áreas, a contaminação das águas atinge proporções calamitosas, como por exemplo na área metropolitana de San José, Costa Rica, onde 1,5 milhão de habitantes convivem com uma poluição gerada pelo café. Não há rios com vida nesta região durante a colheita e processamento do café e mesmo depois da colheita nos pontos mais contaminados.
Problemas semelhantes ao da Costa Rica se verificam em outras áreas da América Central, na Colômbia, no México, no Quênia, na Índia e, com maior ou menor intensidade dependendo da concentração das áreas cafeeiras, nos demais produtores de cafés lavados.
A gravidade e extensão do problema foi particularmente evidenciada no 1º Seminário Internacional sobre a Reconversão do Benefício Úmido do Café, ocorrido no México recentemente.
Os mexicanos, para quem as preocupações ambientais ganharam ênfase especial após a assinatura do Nafta, convidaram especialistas de 13 países para discutir a reconversão, isto é, maneiras de consumir menos água e diminuir a poluição no processo de produção dos cafés lavados.
Em um mundo crescentemente preocupado com a questão ambiental, devemos nos perguntar até quando nossos concorrentes vão conseguir vender impunemente seu café, responsável que é por poluição aguda das águas nas regiões produtoras.
Será que não cabe a nós brasileiros, que produzimos café sem poluir as águas, proclamar aos consumidores as virtudes de nosso café natural e ecológico?
A cafeicultura brasileira não pode perder esta oportunidade singular de posicionar seu produto como o café que responde aos anseios da revolução verde, quando todos os concorrentes não o fazem.
Na realidade, o café lavado dos concorrentes é o vilão. É o café "sujo" sob o ponto de vista ambiental, pois é grande poluidor, enquanto nosso café pode na realidade ser o herói da história, o café "limpo", ecológico, natural.
Nosso sistema tradicional de produção não consome água e, portanto, não a contamina. Produzimos pela chamada via seca os cafés naturais, que constituem a grande maioria dos arábicas que exportamos.
Mesmo no nosso sistema cereja descascado (conhecido no exterior como semi-seco) o consumo de água e sua contaminação são entre 50% e 70% menores que no processo despolpado convencional, permitindo que também estes cafés suaves sejam posicionados como ambientalmente corretos em relação aos suaves estrangeiros.
É conhecido o sucesso crescente na Europa e nos Estados Unidos das marcas de café que associam a seu produto uma preocupação social –por exemplo com o bem-estar do pequeno cafeicultor– e que procuram com tal alegação valorizar seu produto e transferir parte deste valor adicional ao grupo objeto de sua ação social.
Uma estratégia não de nicho, mas em grande escala, parece-nos igualmente viável para o café brasileiro, usando não o argumento social, de apelo mais restrito, mas sim o argumento ambiental, que tem comprovadamente apelo amplo, uma vez que grande parte dos produtos hoje lançados nos países consumidores associam sua imagem à proteção do meio ambiente, através do processo de produção, da embalagem, da propaganda e do próprio produto.
Se nosso café é ambientalmente superior, por que não nos aproveitarmos do fato neste final de século em que o marketing verde impera imbatível?

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