São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 1994
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Uma estatal com vida

LUÍS NASSIF

No ano passado, o secular Banco Credireal de Minas Gerais passou pela primeira experiência efetiva de ajuste já experimentado por um banco estatal brasileiro. Num só dia foram demitidos 700 funcionários, numa operação bélica visando driblar não apenas os interesses corporativos, mas interesses políticos influentes. No total, reduziu-se o efetivo de 6.500 para 3.870 funcionários e o número de agências de 149 para 86.
De imediato, o Credireal perdeu US$ 100 milhões em depósitos com a operação. Em quatro meses voltou aos níveis anteriores, trabalhando com pouco mais da metade de seu efetivo de pessoal. O que permitiu, no final do ano, pela primeira vez em muitos anos, publicar um balanço sem ressalvas e ostentando um lucro, ainda que modesto, de US$ 4,1 milhões.
O Credireal é um banco centenário, cuja carta patente foi concedida por d. Pedro II. Nas últimas décadas, tornara-se um joguete nas mãos de sucessivos governos mineiros. Como em muitas outras estatais, foi vitimado por uma aliança espúria entre interesses políticos e dos cartéis da instituição. Para os primeiros, garantia-se crédito abundante e não-seletivo para seus afilhados. Para os segundos, uma excrescência denominada de Aposentadoria Móvel Vitalícia (AMV) que garantia a cada funcionário aposentado uma série de benefícios, sempre cotados pelo pico, e uma promoção no momento da aposentadoria.
Em 1992 a AMV consumiu US$ 16 milhões do banco. Este ano, outros US$ 18 milhões, para um patrimônio líquido de US$ 80 milhões. "Como cidadão, me causava a maior ojeriza", conta o presidente João Heraldo dos Santos Lima, professor universitário, ex-diretor do Banco Central na gestão Paulo Haddad, que em março de 1993 assumiu a presidência do banco.
Em 1992 já havia sido preparado pela Booz Allen um estudo de reestruturação da instituição, a pedido da área financeira do governo do Estado e à revelia da diretoria do banco.
O diagnóstico era o mesmo adotado para instituições privadas: a necessidade de reordenação e redução das superintendências, o fechamento de agências deficitárias, a redefinição de bases de relacionamento com o acionista controlador (o Estado de Minas) e a adequação de sua estrutura de custos à capacidade de geração de receitas.
A nova diretoria montou, então, um grupo de trabalho incumbido de planejar a operação.
Estratégia de guerra
O grupo começou analisando os estudos de performances das agências, realizados regularmente pelo BC. Foram marcadas para morrer aquelas que operavam em praças de baixo potencial e que davam prejuízos há mais de cinco anos. Definiram-se inicialmente 49 das 149 agências do banco. Parte delas foi absorvida pelo Bemge (Banco do Estado de Minas Gerais) que possuía agências nas mesmas praças.
Simultaneamente, foi estabelecida uma estratégia de negociação com o governo e com os deputados estaduais, e também aproveitado o recesso parlamentar de julho, visando minimizar as críticas.
Houve conversas pessoais com os parlamentares mais influentes e cartas detalhadas aos demais. Na reta final, montou-se uma estratégia de divulgação da operação, com matérias nos principais jornais e televisões do país e contatos pessoais com colunistas.
Na véspera do dia marcado, 110 funcionários do banco foram convocados para um seminário em Belo Horizonte, cujo tema só foi aberto após seu início. No treinamento, receberam um manual que definia todos os detalhes da operação. Na retaguarda ficaram os superintendentes e principais executivos de cada área do banco, permanentemente à disposição para consultas telefônicas. Ao mesmo tempo, 35 funcionários da área de recursos humanos prepararam em tempo recorde a dispensa de cerca de 700 funcionários.
Na primeira rodada, o custo das demissões ascendeu a US$ 3 milhões, no total, a US$ 9 milhões. Mas, apenas no primeiro ano, o enxugamento representou uma economia de US$ 33 milhões, que permitiu financiar todo o plano de automatização é informatização das agências.
De janeiro a abril de 93, o banco teve um custo de US$ 23,4 milhões com pessoal. No mesmo período deste ano, US$ 17 milhões.
Depois disso, criou-se uma regra interna: é proibido que em qualquer mês o banco tenha mais funcionários do que no mês anterior. Em 94, foram demitidos 677 funcionários e contratados 173.
Hoje é uma instituição sólida. Apesar das mágoas inevitáveis, dispõe de funcionários que vestem a camisa, que acreditam na instituição e que definitivamente perderam a pecha de sanguessugas do erário e do contribuinte.
É um exemplo que mostra que o ajuste de uma estatal é mera questão de vontade política e de respeito ao contribuinte.

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