São Paulo, quinta-feira, 16 de junho de 1994
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"Malcolm X" vai ao xis da questão racial

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Spike Lee não era bem quem se pensava. Seu primeiro sucesso, "Faça a Coisa Certa" (1989), podia dar a entender que a cor da pele não era tão determinante assim nos conflitos raciais nos EUA.
Os brancos bem que gostaram, embora ninguém fosse herói aos olhos do cineasta negro. Com "Malcolm X", biografia do líder negro norte-americano, o cineasta está próximo ao xis da questão. O xis está no nome, que em matemática designa a incógnita de uma equação.
No princípio, Malcolm é um jovem marginal. O pai havia sido assassinado pela Ku Klux Klan. Os filhos foram separados pela assistência social. A mãe enlouqueceu.
Na cadeia, Malcolm converte-se aos muçulmanos negros. Rejeita o sobrenome –Little– que teria sido dado por brancos na época da escravatura. Como desconhece o sobrenome original, assume o X, sinal do desconhecido.
Daí a se tornar um líder de fala fácil e violenta é um passo. Nos anos 60, Malcolm X (1925-1965) torna-se uma espécie de símbolo da resistência dos negros aos brancos. Mais que resistência, é um caso de impermeabilidade. Malcolm é a turbulência em pessoa, numa época em que as contradições saíam pelo ladrão.
O filme de Spike Lee foi rejeitado pelo "establishment". Em parte, com razão. São três horas e meia de filme. A primeira hora tem momentos mortos, em que se insiste excessivamente nas relações entre negros e brancas (assunto que apaixona Spike Lee).
É quando se converte aos muçulmanos negros que Malcolm cresce como personagem, levando o filme junto. A partir daí, o filme passa a se organizar em torno desse inquietante X que assume como sobrenome.
Daí por diante, Spike Lee narra a história de um homem que tenta se conhecer, romper a cadeia de ignorância que atingiu seu próprio nome. Também tenta conhecer aqueles que o cercam e, ao mesmo tempo, mover-se num universo de contradições raciais.
A observação do fracasso do "melting pot" (ideologia da América como terra de encontro de todos os povos) se dá de dentro para fora: rejeitado pelo branco, o negro tenta internalizar os valores do outro, imitá-los, fazê-los seus.
O fracasso da integração o remete a si mesmo. Ele busca sua identidade, nos islã, na África etc. Mas essa identidade também já não existe. É um amontoado de destroços, onde se misturam do oportunismo ao rancor.
Em uma palavra, o filme não trata de elevar Malcolm X às alturas, mas de captar sua dimensão trágica. Trata-se de constatar a impossibilidade de acerto.
Spike Lee inscreve essa tragédia americana em seu filme, faz com que cada fotograma esteja impregnado pelo abafamento, pela insalubridade das relações multirraciais. Se a tragédia é irreversível, é como se "Malcolm X" perguntasse: o que fazer?

Filme: Malcolm X
Produção: EUA, 1993
Direção: Spike Lee
Elenco: Denzel Washington, Angela Basset
Distribuição: Abril Vídeo (tel. 011/832-1555)

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