São Paulo, sexta-feira, 17 de junho de 1994
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Laranja azeda

JOSÉ SERRA

Juntamente com a indústria automobilística, o cultivo e o processamento da laranja no Estado de São Paulo consolidou-se a partir dos anos 70 como o mais novo e dinâmico setor exportador da economia paulista e grande abastecedor de divisas da economia nacional.
Assim, entre 1970 e 1993, a exportação brasileira de suco concentrado de laranja aumentou, em volume, cerca de 30 vezes, cabendo 80% desse total a São Paulo, que, sozinho, é o maior produtor mundial da fruta.
Cerca de 75% do suco de laranja consumido no mundo, fora dos Estados Unidos, provém do Brasil. Nos melhores períodos de preços internacionais, entre 1984 e 1985, só por conta do suco de laranja ingressaram no Brasil cerca de US$ 1,5 bilhão por ano.
Mesmo com a violenta queda dos preços no ano passado, as vendas desse produto ao exterior geraram US$ 740 milhões; as exportações de subprodutos da fruta (bagaço para ração animal, insumos para cosméticos e perfumes etc.) renderam, adicionalmente, mais algumas centenas de milhões.
Para a economia do Estado, a laranja tem um valor inestimável: são 450 mil empregos diretos e indiretos, espalhados por 300 municípios. O setor irradia demandas caudalosas para a indústria, consumindo, por exemplo, em 1992, 380 mil toneladas de fertilizantes.
A formação da economia paulista da laranja reflete não apenas condições favoráveis de clima e solo, mas também a existência de enorme potencial empresarial no interior do Estado. Potencial, aliás, que se exprimiu até na organização de núcleos de pesquisas (Cordeirópolis) e de atuação direta no campo (via Fundacitros), ambos em parceria com o governo do Estado, voltados para o combate às doenças da fruta.
Em razão disto e da seleção de variedades, o número de caixas colhidas por árvore duplicou entre 1970 e 1990. Acrescente-se que o custo por caixa em São Paulo equivale à metade do observado na Flórida, nos Estados Unidos.
Por isso mesmo, e contrariando sua prédica liberal, o governo norte-americano tem praticado um acintoso protecionismo contra as importações de suco de laranja, impondo uma barreira tarifária de US$ 492 por tonelada de suco exportada do Brasil, medida mais draconiana do que a nossa antiga reserva de mercado na informática.
Note-se que o governo brasileiro não concede subsídio especial à laranja, não se configurando nenhuma prática de "dumping" que justificasse esta aberração protecionista. Aberração que, acrescida à praticada pela Europa no Mercado Comum, levou o total de impostos pagos por nosso suco no exterior ao fantástico montante acumulado de US$ 7 bilhões, de acordo com estimativa do ex-ministro da Agricultura Antonio Cabrera.
O suco brasileiro virou uma espécie de cigarro como objeto de tributação no exterior. Se algo semelhante fosse feito pelo governo brasileiro, haveria certamente represálias do departamento de Comercio dos Estados Unidos, matérias da "The Economist" reprovando-nos e dezenas de editoriais de grandes jornais brasileiros deplorando o nosso antiliberalismo comercial.
O protecionismo dos países que predicam a abertura comercial e não a praticam é o maior obstáculo à consolidação definitiva do setor de laranja no Brasil. Ressalte-se que a extraordinária abertura comercial que nosso país realizou nos últimos anos foi feita sem que, em troca, obtivéssemos qualquer concessão de nossos parceiros, inclusive porque não pedimos.
O governo Collor, neste sentido, inovou internacionalmente em matéria de tolice comercial: ceder sem pedir nada em troca, política que, infelizmente, prosseguiu até hoje. O erro não foi abrir, mas fazê-lo a troco de nada.
O problema do setor da laranja não se localiza apenas no protecionismo externo. Há também um fator estrutural adverso: o baixo consumo interno. Apenas 20% da produção e 2% do suco são absorvidos pelo mercado nacional. Isto, como é óbvio, torna o setor fortemente vulnerável às flutuações da demanda internacional e dos preços externos como se fosse um moderno "encrave" exportador.
O baixo consumo interno se explica não apenas pela ausência de hábito e pela inércia das políticas distributivistas governamentais, mas também pelo extraordinário volume da produção nacional.
Por isso, o setor terá de conviver com a forte dependência em relação ao exterior e, por consequência, necessitará sempre de uma ação externa defensiva do governo federal e do governo de São Paulo em matéria da política comercial.
Ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, no Japão ou na França, os governos, no Brasil, não encaram a política de exportações como política de emprego e de eficiência econômica, perdendo-se no oportunismo do curto prazo ou, mais recentemente, em devaneios supostamente liberais, mas na verdade ingênuos: as melhores economias de mercado do mundo protegem suas exportações.
Por último, permanece um obstáculo de natureza tributária. O Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS, não deveria onerar as exportações de suco de laranja, como, aliás, nenhum produto exportado, industrial ou agrícola. Sobre as explorações deveria incidir, quando fosse o caso, somente o imposto federal sobre exportações, cuja função não é arrecadatória, mas de política econômica.
Apresentei na malograda revisão constitucional uma emenda que permitiria essa mudança mas, infelizmente, não chegou a ser votada.
Estou convencido de que será possível retomá-la na reforma que terá de ocorrer no próximo ano. Enquanto isso, o governo do Estado tem como contribuir, além da retórica, para melhorar o nível de emprego dentro de suas próprias fronteiras.
Quando preço externo do suco de laranja se encontrar no chão deve reduzir automaticamente a alíquota do ICMS a zero. Quando estiver em níveis intermediários, deve cobrar a metade do imposto, deixando a alíquota plena de 8,5% apenas para as fases de preços altos.
Esse tratamento, com alíquotas variáveis de zero a 8,5%, seria o mais realista e o mais racional, requisitos infelizmente ainda exóticos em face da precariedade e do improviso das políticas estaduais, especialmente em São Paulo.

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