São Paulo, sexta-feira, 17 de junho de 1994
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Zanussi faz "arte" para falar do exílio, em "O Toque do Silêncio"

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Filme: O Toque do Silêncio
Produção: Inglaterra, Polônia, Dinamarca, 1993
Direção: Krzysztof Zanussi
Elenco: Max von Sidow, Lothaire Bluteau, Sarah Miles, Sophie Grabol
Onde: Belas Artes/Sala Aleijadinho

Em "A Liberdade É Azul", Krzysztof Kieslowski narra a história de um renascimento. Ali, uma mulher perde a família em um desastre de automóvel. O filme é o itinerário de sua passagem da morte à vida, um lento, arriscado, doloroso renascimento.
Em "O Toque de Silêncio", Krzysztof Zanussi, também polonês, está próximo desse tema. Aqui, o jovem musicólogo Stefan (Bluteau) vai atrás do famoso compositor Henry Zesdi (Max von Sidow) que, após perder a família na guerra, recolhe-se ao silêncio. Hoje beira os 75 anos e dedica-se a morrer cotidianamente, sem compor, sem manter trocas com o mundo, sem amar nem mesmo a segunda mulher (Sarah Miles).
Nos dois filmes a música é personagem central. Em "Azul", trata-se de dar sequência à sinfonia que o compositor, morto no desastre, iniciara. Em "Toque do Silêncio" a questão é fazer Zesdi voltar a compor. É para isso que o jovem musicólogo Stefan (Bluteau) viaja da Polônia até a Dinamarca.
As semelhanças ficam por aí. O "Azul" de Kieslowski descreve um processo pessoal: a saída da Polônia e a adoção de um novo país (a França) são o traumatismo referido no filme.
A sinfonia interrompida de Kieslowski entra como tema paralelo e com certeza uma das virtudes do filme é integrar os dois registros, o que precede e o que sucede a interrupção da sinfonia (essa divisão em dois momentos havia sido tentada em seu filme anterior, "A Dupla Vida de Véronique", com menos êxito).
Em "Toque do Silêncio", a mesma evolução ressente-se de algumas imprecisões. O filme começa na Polônia e continua na Dinamarca, mas o idioma único é o inglês, uma concessão às necessidades internacionais da produção.
Talvez por isso os registros de interpretação dos atores sofram tanto. Max von Sidow faz um Zesdi inconvincente em inúmeros momentos, o que não é de seu feitio; Sarah Miles se apaga, o que também não é costumeiro.
Até aí consente-se. Menos aceitável é o tatibitate em que se envolve Zanussi quando seu filme avança para considerações sobre a interação entre arte e vida. Ou antes, sobre a hipótese de a arte ser ou não maior que a vida.
É ao chegar aí que "O Toque do Silêncio" envereda para o terreno minado do "filme de arte". Tudo se emposta para dizer ao espectador que isso que estamos vendo é uma manifestação de verdadeira cultura: a dor, a música, o amor –tudo é filosofante, no fim das contas.
Mas, sobretudo, tudo obedece ao velho princípio da representação: é um filme que parece feito e embalado antes mesmo que se comece a rodar o primeiro plano. Nesse sentido, bem distante de "A Bela Intrigante", de Jacques Rivette, que propunha mais ou menos as mesmas questões, sem cair na armadilha da arte.
Talvez por isso, quando o compositor Zesdi apresenta seu trabalho não é apenas o espectador que se sente constrangido com o resultado pífio. É também o ouvinte.

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