São Paulo, sábado, 18 de junho de 1994
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Mordidas reais

JANIO DE FREITAS

O fim da correção do Imposto de Renda a partir de 1º de julho, tanto para quem receberá restituição como para os que ainda devem, só na aparência é o tratamento de igualdade a que o governo se refere. Na realidade, representará prejuízo para os credores do imposto e benefício para os devedores.
O próprio ministro Rubens Ricupero admitiu a persistência de alguma inflação em julho, ao prevenir, no início da semana, que a queda sensível do índice só deve ser esperada para agosto. Logo, quem receberá restituição perderá a correção de julho. E quem terá cotas a pagar, vai fazê-lo pelo valor antigo, sem corrigir o débito.
Só em caso de inflação zero a falta de correção seria idêntica para credores e devedores do IR. Mas, além do que já disse Ricupero sobre julho, o governo não tem o direito de presumir a inflação zero se isto implica a probabilidade de injustiça –e justamente contra os que já cumpriram, até em excesso, as suas obrigações de contribuintes.
O absurdo é ainda mais gritante porque o fim da correção é desnecessário. Se a inflação vai cair a zero, não é preciso extinguir a correção, que estará extinta, automaticamente, pela falta do que corrigir.
Já se prenuncia a mordida nos salários e na poupança de mais ou menos um terço da inflação de junho. Vem agora mais uma forma de mordida. Se é assim que o governo espera apoio para o real e para o seu candidato, os petistas terão muito o que lhe agradecer. O plano sem congelamentos e mordidas já deu uma congelada nos salários e começa a mostrar os seus caninos.
Os disponíveis
Mais atraente até do que o seu próprio percentual, na pesquisa do Datafolha, é para Fernando Henrique o número dos que ainda não escolheram seu candidato: eles perfazem 20% do eleitorado. Quase os 22% da distância a que ainda está de Lula.
Não se tem noção da quantidade de disposições, no eleitorado potencial de Lula, de transferência para Fernando Henrique em função do prometido êxito do Plano Real. É razoável presumir, no entanto, que três aspectos indiquem ser o eleitorado de Lula muito pouco volúvel: a escolha tão cedo e em tal dimensão (Lula está desde abril com dez vezes mais intenções de voto do que tinha no fim de junho de 89); a constância dos seus índices, sempre próxima ou dentro da margem de erro das pesquisas; e, por fim, o fato de que seus eleitores potenciais o escolheram no auge do estrelato do então ministro Fenando Henrique, com entrada da URV, iminência do real e coisa e tal.
Os outros que chegam a aparecer na pesquisa têm, somados, o mesmo percentual de Fernando Henrique. Mas nenhum alcança índice que valha um esforço especial de Fernando Henrique para apropriar-se do seu eleitorado. Esse é um trabalho que poderia interessar a Lula, porque cada pequeno acréscimo no seu índice representa maior possibilidade de vencer logo no primeiro turno, com maioria absoluta. Pode-se presumir, para encerrar, que os 20% ainda sem candidato constituem o eleitorado mais suscetível ao êxito do Plano Real, por evidenciar a necessidade de algo estimulante para escolher um entre os candidatos igualados, aos seus olhos, na falta de atração.
Correção
Cometi uma troca de palavras no artigo de ontem. Na referência à ação do governo para evitar altas do dólar no paralelo, falei em compra de dólares, quando o correto seria venda, feita pelo Banco Central.

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