São Paulo, sábado, 18 de junho de 1994
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Vida era melhor no comunismo, diz maestro

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

O maestro polonês Antoni Wit, 48, mora a 400 metros da casa de Górecki e trabalha com o compositor quase toda semana. É o regente favorito de Górecki.
Desde 1983, Wit trabalha como diretor artístico da Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional Polonesa, com sede em Katowice. Segundo ele, começou sob o regime comunista, passou pela tentativa de capitalismo e hoje atravessa o retorno dos socialistas sem perder a linha de trabalho.
Wit e orquestra estrearam na Polônia a "Terceira Sinfonia" em 1976. Para os dois concertos no Brasil, trazem um programa exclusivamente polonês.
Wit estudou entre 1967 e 1968 com a professora francesa Nadia Boulanger em Paris, No ano seguinte, formou-se em composição na Academia de Música de Cracóvia com Krystof Penderecki, um dos três grandes compositores poloneses deste século, ao lado de Górecki e Witold Lutoslawski (1913-1994).
Na entrevista que concedeu ontem à Folha, por telefone, de Katowice, Wit conta como é o trabalho com Górecki e o que acha das mudanças políticas de seu país.

Folha - Qua será a tônica do programa dos concertos no Brasil?
Antonio Wit - Iremos com um contingente reduzido. Em vez de 110 instrumentistas, tocaremos com 85. Nosso programa consiste em obras para orquestra de cordas fortes com participação discreta das madeiras. Não irão trompetes nem os instrumentos de percurssão.
É um programa fácil de ouvir e representativo da atual música polonesa.
Folha - Por que vocês não incluíram Lutoslawski?
Wit - Porque suas obras exigem grande orquestra. Além do que são muito longas.
Folha - A "Terceira Sinfonia", de Górecki, é uma especialidade da orquestra?
Wit - É, embora não a temos estreado mundialmente. Foi feita para a Orquestra de Baden Baden. É uma obra que o público adotou e virou uma constante nos nossos concertos. As duas primeiras sinfonias de Górecki são antigas e, portanto, escritas no estilo moderno, difíceis de ouvir.
Górecki começou como um vanguardista e foi se tornando mais audível.
Folha - O sr. tem uma explicação para o sucesso da "Terceira Sinfonia"?
Wit - Não. É um mistério porque se trata de uma obra profunda.
Folha - Como é trabalhar com Górecki?
Wit - Uma grande experiência. Górecki gosta de discutir interpretação de suas obras. Somos amigos e vizinhos. Ele mora a 400 metros da minha casa.
Ele costuma estar presente nas nossas gravações, que sempre acontecem na nossa sala de concertos. Ele não é dado a ataques. Quando tocamos algo que foge um pouco da partitura e o resultado é bom, ele deixa passar.
Agora, se alguém comete um erro grosseiro, ele é capaz de dar uma bronca. Exige que os cantores pronunciem as palavras.
Acho importante a presença do compositor nos ensaios e gravações porque o músico pode traduzir a partitura em detalhes que passam despercebidos.
Folha - Como o sr. sentiu em seu trabalho as mudanças políticas da Polônia?
Wit - Passamos por mudanças, embora não muito essenciais. Os antigos membros do Partido Comunista hoje são pessoas importantes no governo e na economia do país. Só têm uma postura mais "light". A vida era mais fácil no comunismo para os músicos. Não tínhamos nada a ver com política e podíamos trabalhar com tranquilidade. Por incrível que pareça tínhamos mais liberdade.
Agora estamos mais presos a um trabalho prático. Ganhamos liberdade de ação em relação exterior. Podemos fechar turnês e gravações diretamente com agências ocidentais.
Antes, por exemplo, o convite do Festival de Inverno de Campos do Jordão teria que ser feito à agência oficial polonesa. Agora fomos diretamente convidados.
Folha - Melhorou a condição econômica da orquestra?
Wit - Não. Estamos ganhando menos dinheiro. Somos ainda sustentados pelo governo. Na Polônia não existem empresas privadas capazes de bancar uma orquestra, que é algo caro.
Gostaríamos de ganhar mais, mas é impossível no momento. Nosso problema é grande. Artistas ocidentais querem ganhar um cachê ocidental para se apresentarem na Polônia e nem eles conseguem.
A que o sr. atribui a riqueza musical de Katowice?
Wit - Á tradição. É uma região industrial e de minas. Antes da guerra, os mineiros formavam grupos folclóricos, sinfônicas e corais. Isso se mantém até hoje.
Folha - A que o sr. atribui ao recuo do experimentalismo ao fundamentalismo que se dá hoje entre os compositores, sobretudo os poloneses?
Wit - Penderecki e Górecki começaram como experimentais e hoje fazem música tradicional e agradável porque resolveram escrever música por prazer. No início, queriam chamar atenção para suas realizações em partitura. Agora atingem o público. Mestres como Stockhausen e Boulez continuam bastante complexos e talvez venham a ser apreciados no próximo século.

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